O jornalismo ‘capturado’ – o caso da TDT

(No seguimento do post do Sérgio Denicoli)

O fim da televisão analógica é hoje assinalado com o desligar dos últimos 15 emissores. A autoridade que regula as telecomunicações, a Anacom, diz ter-se tratado de uma transição sem problemas, sendo que, nesta altura, quem se atrasou na mudança agiu com total conhecimento das consequências.
Muito podia ser escrito sobre esta atitude ‘se quiserem comam, se não quiserem ponham na borda’ de uma entidade pública que tem por missão assegurar a defesa dos interesses dos cidadãos mas este post surge por uma outra razão – o jornalismo que se faz (e fez) sobre este assunto de vital importância (sobretudo) para os mais frágeis na sociedade foi, salvo honrosas exceções (e importará aqui salientar o trabalho desenvolvido por alguns profissionais na RTP – Porto), de muito má qualidade.
Foi um jornalismo ‘repetidor’, um jornalismo ‘pé de microfone’, um jornalismo que semanalmente deu conta do ‘sucesso’ de uma transição cheia de problemas, porque pouco mais fez do que transcrever (sim, transcrever, em muitos casos, na íntegra) o que era dito pela Anacom nos seus comunicados.
Este jornalismo acomodado, este jornalismo ‘não me chateiem que eu já tenho problemas que cheguem’, que se percebe na notícia difundida esta manhã pela Lusa, descurou a complexidade social do assunto.
É um jornalismo pobre, descuidado e desinteressado.
Não nos serviu, enquanto comunidade.

No portal informativo do SAPO (propriedade da PT) temos esta manhã em destaque a notícia da Lusa (agregada na área temática ‘Tecnologia e Ciência’ e com base nas declarações da Anacom) mesmo ao lado de um anúncio da Meo (propriedade da PT) que nos avisa: ‘Prepare-se para a TDT‘. Se lá fizermos o clique vamos para uma página nova com as ‘soluções PT’.
Um leitor pouco atento podia até ser levado a pensar que o ‘problema’ TDT se resolve com a ajuda amiga da PT.
E, provavelmente, esse leitor desatento estará mais próximo da verdade do que imagina.
O ‘problema’ TDT ‘resolveu-se’ com a conivência dos operadores de televisão, com a anuência de dois governos, com a ‘certificação técnica’ da Anacom, com o desinteresse de um jornalismo tendencialmente amorfo e para benefício das atividades de TV por cabo.
Nâo ficou ninguém de fora, pois não?

Considerações sobre o apagão analógico

Neste dia histórico para a televisão portuguesa, quando o sinal analógico é definitivamente substituído pelo digital, há muitas considerações a fazer. Uma delas é que, oficialmente, o processo de implementação da TDT excluiu completamente a academia, ignorando dezenas de estudos feitos não apenas pela Universidade do Minho, mas por diversas outras universidades do país.

Mas não foi somente a academia que os agentes envolvidos na introdução da TDT ignoraram. Eles também não consideraram o lado social da televisão e trataram o processo como sendo algo meramente económico.

A imprensa séria funcionou como um ponto de equilíbrio, denunciando alguns equívocos dos “donos” da TDT, o que resultou em pequenas melhorias.

Hoje, diante do apagão analógico, o Jornal de Notícias fez um trabalho exemplar, onde mostra o contraditório e não apenas a versão oficial. A reportagem, escrita pela jornalista Dina Margato, é um exemplo de bom jornalismo. Imparcial, informativa e relevante.

Tive a oportunidade de ser uma das fontes, mas, por falta de espaço, o jornal, naturalmente, precisou editar o que eu disse.

Portanto, publico aqui a íntegra da entrevista, com os trechos que não saíram na edição:

Como descreveria todo este processo de introdução da TDT em Portugal?

Foi um processo conduzido de forma a beneficiar os operadores de TV por subscrição, em detrimento dos interesses da população. Com a TDT, tínhamos a oportunidade de revolucionar a TV aberta em Portugal, com mais canais, canais em alta definição, serviços interativos inovadores, TV móvel, serviços apropriados às pessoas com necessidades especiais, emissões no formato 16:9, etc. No entanto, construiu-se um modelo segregador, que só permite o acesso aos benefícios plenos da tecnologia digital se o utilizador assinar um serviço de TV paga. Reduziram a TV terrestre a algo muito aquém do que poderia ser, para beneficiar grupos empresariais e exigir mais investimentos financeiros da população, que já está tão sacrificada neste momento de crise que Portugal atravessa. O papel das autoridades envolvidas na implementação da TDT foi desumano. Não consideraram o impacto social que a televisão tem na vida das pessoas, sobretudo dos mais pobres e dos mais idosos.

O que correu bem e mal em todo este processo?

Podemos dizer que a TDT divide-se em duas. A TDT das empresas e a da população. A das empresas correu muito bem, sobretudo para a Portugal Telecom que conseguiu garantir o monopólio da distribuição de sinais, da venda de kits-satélite e da instalação de repetidores nas zonas de sombra. No 4º trimestre de 2011, a TV paga ganhou 202 mil novos subscritores em relação ao mesmo período em 2010. O MEO, que foi lançado em 2008, em menos de 4 anos conseguiu alcançar 35% do mercado de TV paga. Um crescimento impressionante em meio a um período de recessão, que só foi possível diante da fraca TDT que se estabeleceu no país. Foi um erro grave entregar a implementação da TDT a uma empresa que atua no mercado de TV por subscrição. O conflito de interesses é óbvio e os cidadãos que pagam a conta. Também se beneficiaram os operadores de telefonia móvel, que vão utilizar as antigas frequências de televisão para comercializar o serviço de Internet 4G.

Por outro lado, a TDT da população foi um fracasso. Reduziu-se o percentual de cobertura terrestre no país, gerando zonas de sombra e criando duas categorias de cidadãos, sendo que os que não recebiam os sinais da TDT tinham que pagar um valor muito mais alto para receber os canais free-to-air.

Como vê o facto de só mais tarde a Anacom subsidiar a instalação para o sistema satélite?

Inicialmente o contrato que concedeu à PT o direito de utilização das frequências da TDT dizia de forma clara que a empresa teria que arcar com todos os custos de mão-de-obra e equipamentos, para que as pessoas pudessem ver os canais free-to-air nas zonas de sombra. No entanto, após reuniões fechadas entre a Anacom e a PT, sem qualquer consulta pública, o regulador decidiu tirar esta responsabilidade da Portugal Telecom, obrigando que os cidadãos pagassem grande parte do valor. Haveria uma comparticipação da PT, mas o incentivo teve uma adesão reduzidíssima, segundo relatório da própria Anacom. O resultado foi que, faltando apenas 6 semanas para o apagão analógico, cerca de 1 milhão e 600 mil pessoas, ainda não estava preparadas para a TDT, ou seja, 30% dos que assistem exclusivamente à TV terrestre não tinham investido na compra dos equipamentos necessários para a visualização dos canais. A Anacom decidiu então aumentar o subsídio, mas a divulgação do benefício foi mal feita e poucas pessoas sabem como proceder para conseguir a comparticipação. Além disso, 8% da população diz que vai deixar de ver TV, sendo que metade deste percentual o vai fazer por questões financeiras.

Os cidadãos das zonas sombra continuam a ser prejudicados?

Os cidadãos das zonas de sombra foram tratados sem qualquer respeito pelas autoridades. Os que compraram o kit-satélite receberam equipamentos bloqueados para a receção apenas dos 4 canais generalistas (ou 5, no caso da Madeira e dos Açores, que contam com a RTP local), sendo que eles teriam direito de receber cerca de 24 canais cujos sinais são difundidos de forma livre, via satélite, no espaço português. Isto fere a Lei das Comunicações Eletrónicas, que diz, em seu artigo 103º, que “os equipamentos de consumo destinados à receção de sinais de televisão digital devem possuir capacidade para reproduzir sinais que tenham sido transmitidos sem codificação”. Ou seja, quem adquiriu o kit satélite tinha o direito de receber dezenas de canais, mas o regulador jamais interveio nesta situação e ainda defendeu a Portugal Telecom diante desta prática.

Afinal, em alguns locais, os cidadãos queixaram-se de falhas técnicas de emissão em algumas horas, durante a emissão de programas populares. Teve conhecimento desses casos?

A receção dos sinais falha em diversos locais por uma questão muito simples: inexplicavelmente a TDT em Portugal opera numa frequência única em todo território continental. Isto faz com que ocorra uma autointerferência dos sinais. Qualquer técnico sabe disto e a solução era simplesmente utilizar outros canais para a TDT, o que seria planamente possível, já que há frequências de sobra após o apagão.

Mas parece não haver interesse para que o sinal seja reforçado, pois, diante da péssima qualidade de receção, muitos cidadãos menos informados vão recorrer aos serviços de TV paga. 

A PT terá funcionado em sintonia com a Anacom?

Há fortes indícios de que a Anacom foi “capturada” pela PT. A teoria da captura regulatória foi desenvolvida pelo Nobel em economia George Stigler, que afirmou que o regulador muitas vezes era cooptado pelo regulado, de forma a agir a seu favor. Isto pode ocorrer simplesmente pelo interesse dos executivos da agência reguladora em pertencer aos quadros da empresa após deixarem o órgão, o que, segundo a Transparência Internacional, é uma forma de corrupção. Um dos sintomas da captura é a assimetria de informação, ou seja, quando o regulador não divulga dados sobre o regulado, de forma a beneficiá-lo, ou quando divulga apenas dados positivos. Isto ocorreu em diversas etapas da implementação da TDT, pois a Anacom ocultou dados importantes, como o número de beneficiários dos programas de subsídios e o financiamento da instalação de repetidores nas zonas de sombra, e elogiou por diversas vezes o trabalho da PT, mesmo diante de problemas apresentados. A captura interessa às empresas pois elas podem garantir um monopólio de mercado com o aval do regulador e foi precisamente isto que ocorreu em relação à TDT portuguesa.

Eu cheguei a afirmar, durante um simpósio realizado na Comissão para a Ética, a Cidadania e a Comunicação, da Assembleia da República, que havia indícios de que a Anacom não estava a cumprir a lei, e solicitei aos deputados que pedissem a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. No entanto, a classe política não entendeu que seria necessário investigar o caso, mesmo diante de fortes sinais de que a democracia não estava a ser respeitada. Ainda acredito ser importante a investigação minuciosa do papel do regulador no caso da TDT, para que não pairem dúvidas sobre a idoneidade dos envolvidos no processo.

A  seu ver, o facto de a PT estar no mercado com MEO veio condicionar todo este processo?

Para mim influenciou completamente. Quanto pior o sinal da TDT, quanto menor a cobertura terrestre, melhor para o MEO e demais empresas de TV paga.

O que não ganhamos com a TDT e podíamos ter ganho, se compararmos com o que sucedeu noutros países?

Poderíamos ter ganho um país mais democrático, uma valorização maior da cultura portuguesa, serviços dignos da tecnologia digital. A TDT, da forma que foi estabelecida, vai prejudicar fortemente a indústria nacional. Muitos que vivem na fronteira com a Espanha já optaram por receber a TDT espanhola e deixaram de assistir à TV portuguesa. A cobertura digital terrestre foi diminuída em relação à analógica. 8% das pessoas já disseram que deixarão de assistir TV. O aumento dos serviços de TV paga forçam os canais nacionais a competirem com dezenas de canais internacionais. Diante destes factos as audiências fatalmente irão diminuir e com elas reduzirão também os investimentos publicitários. A médio prazo, as TVs nacionais vão ter menos recursos para produzir programas e a cultura portuguesa sofrerá um grande golpe, resultando em desemprego no setor e num grande imperialismo cultural.

A hipótese de se lhe juntar mais canais, como o Parlamento, é de louvar? Será insuficiente?

Já é uma pequena melhoria, mas insuficiente para tornar a TDT atrativa perante à TV paga. O que temos que pensar agora é como vamos resgatar a cultura nacional difundida pela televisão, sem que ela se perca diante do grande número de programas produzidos noutros países. Com o apagão teremos frequências livres e há estudos que preveem frequências regionais (três por região) e distritais (uma por distrito). Resta saber se elas serão realmente utilizadas, de forma a termos mais oferta na TDT. É a única maneira de salvarmos a TV portuguesa e é este o debate que a sociedade deve travar a partir deste histórico dia 26 de abril de 2012.

Disponibilizo também a reportagem do JN. Basta clicar na imagem para ampliá-la:

Primeira edição da Escola de Verão da SOPCOM

O Grupo de Trabalho de Jovens Investigadores em Ciências da Comunicação da SOPCOM organiza a Escola de Verão da SOPCOM, que pretende ser uma iniciativa regular e de referência na área. O site do evento está disponível em http://www.escoladeverao.sopcom.pt/.

Subordinada ao tema “Metodologias de Investigação em Ciências da Comunicação”, a Escola decorrerá de 9 a 13 de Julho no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP). Com a participação de conceituados investigadores na área, o programa conta com sessões que abordam os mais diversos métodos de investigação, nomeadamente a realização de inquéritos, a análise crítica do discurso, a análise de redes, entre outros.

Programa científico detalhado

– 9 de julho

[Sessões inaugurais e Sessões sobre Inquéritos e Sondagens de Opinião Pública]

– 10 de julho

[Sessões sobre Metodologias Qualitativas e Análise da Imagem]

– 11 de julho

[Sessões sobre Análise de Conteúdo e Análise de Redes]

– 12 de julho

[Sessões sobre Análise dos Discursos Jornalístico e Publicitário]

– 13 de julho

[Sessão sobre software MAXQDA e Conferência Final]

Capa publicitária?

ImagemÉ de mim ou a capa do Público de hoje tem uma proporção desmedida de publicidade? É certo que não olharei sempre com a mesma atenção e bem sei que isto tem acontecido de formas diversas outras vezes. E também sei que será mais ou menos inevitável. Mas hoje fui mais sensível… e não gostei.

Talvez nem seja tanto a invasão da publicidade no espaço nobre da informação o que hoje me desagrada. É que nem do ponto de vista estético esta primeira página é agradável. Há ruído visual que não condiz com o estilo e a qualidade gráfica próprios do jornal Público.

Moisés de Lemos Martins presidente da CONFIBERCOM

O presidente da Sociedade Portuguesa de Ciências da Comunicação e diretor do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, Moisés de Lemos Martins, foi ontem eleito Presidente da CONFIBERCOM – a Confederação Ibero-americana das Associações Científicas e Académicas de Comunicação.
Com uma equipa que representa a maior parte das associações federadas nesta organização, Moisés de Lemos Martins sucede a Margarida Kunsch, que substituiu interinamente o primeiro presidente eleito, José Marques de Melo.
As eleições tiveram lugar no dia 13 de abril, durante a Assembleia Geral da CONFIBERCOM, que se reuniu em Quito, no Equador, por ocasião do I Fórum Integrado de Comunicação Ibero-americana.

Como dar sentido ao jornalismo?

Analisar o presente e o futuro do jornalismo nas sociedades contemporâneas é o propósito essencial de um debate que terá lugar no próximo dia 17 de Abril (terça-feira), às 14h30, no Auditório do Instituto de Educação (IE) da Universidade do Minho (UM), em Braga.

Subordinado ao tema “Como dar sentido ao Jornalismo?”, o debate procura juntar jornalistas, investigadores, docentes e estudantes de jornalismo, bem como cidadãos interessados, qualquer que seja a sua proveniência. A iniciativa, semelhante a outras que se têm realizado em diversas universidades do país, culminará com a elaboração de uma Carta de Princípios do Jornalismo em Portugal, assente nos diferentes contributos e reflexões recolhidos.

O debate na Universidade do Minho / Braga decorre no âmbito das jornadas anuais do Grupo de Alunos de Ciências da Comunicação (GACCUM) e contará com as participações de Adelino Gomes (jornalista), Gustavo Cardoso (investigador), Carlos Daniel (jornalista), Isabel Margarida Duarte (professora universitária) e João Gonçalves (estudante de jornalismo), além de docentes de Jornalismo da própria UM – Joaquim Fidalgo, Luís António Santos e Manuel Pinto.

Esta realização inscreve-se num projecto mais vasto, intitulado “Projecto Jornalismo e Sociedade” (PJS), lançado por uma equipa de investigação do CIES-IUL – Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE-IUL, Instituto Universitário de Lisboa, e que conta com os apoios das Fundações Gulbenkian, EDP e FLAD. Coordenado por Gustavo Cardoso (presidente do Obercom) e Adelino Gomes (jornalista), o projecto congrega, no seu Conselho Consultivo, representantes das principais universidades portuguesas onde se ensina Jornalismo e dos mais relevantes órgãos de Comunicação Social nacionais.

Aberto à participação de todos os interessados, este debate é uma organização conjunta do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade (CECS) – Instituto de Ciências Sociais (ICS), e do Grupo de Alunos de Ciências da Comunicação (GACCUM) da Universidade do Minho.

O Fórum poderá também ser acompanhado à distância: através do browser ou  através de um media player.

“Explicar um blog não era fácil”

Depoimento de Elisabete Barbosa, Diretora de Comunicação e Projetos, uma das fundadoras do blog:

Criar e manter um blog há 10 anos atrás era uma tarefa bastante mais difícil do que é hoje. Não existiam os serviços atuais, não era possível utilizar imagens facilmente e os sistemas de comentários tinham que ser integrados no blog (pelo menos para os utilizadores do Blogger).
Mas também era mais interessante e divertido. Conhecia-se toda a blogosfera portuguesa e ainda era possível acompanhar facilmente o movimento nos EUA e no Brasil. Cada novo blog português era celebrado por toda a comunidade e as notícias sobre cada “nascimento” entusiasticamente divulgadas por outros bloggers.
Estejam ou não moribundos, os blogs foram percursores importantes do atual panorama das redes sociais. Foram os primeiros sistemas de auto-publicação, um grande passo para a democratização da Internet, o momento em que deixou de ser necessário conhecer linguagens de programação para poder publicar.
Para mim, no entanto, a principal diferença entre manter um blog hoje e há 10 anos não está na tecnologia ou no conhecimento do meio. Reside no facto de, atualmente, não ser necessário estar constantemente a explicar o que é um blog. É que não era fácil.
Parabéns ao Jornalismo e Comunicação e a toda a equipa.

“Era muito estranho escrever num blog”

Depoimento de Dora Mota, jornalista, uma das fundadoras deste blog:

Eu ainda não tenho idade para ser mãe dos estagiários que aparecem lá no jornal, quanto muito para ser irmã mais velha, mas parece que fomos criados em planetas diferentes. Quando lhes conto que comecei a trabalhar numa altura em que a Internet era ainda, para muita gente, praticamente uma extravagância, abrem a boca de espanto. Tenho 35 anos e sou do tempo em que os telexes da Lusa chegavam à redacção através de uma máquina que despejava continuamente passadeiras de papel no chão, zumbindo todo o dia, sendo esse zumbido, a par com o toque do telefone, que nunca parava, a nossa banda sonora. Como falávamos tanto tempo ao telefone, há dez anos! Sou do tempo em que muitas pessoas não usavam telemóvel e em que ainda mais pessoas não sabiam o que era um email. Muito menos um blog.

Sou jornalista desde 1999 e, felizmente, saí da Universidade do Minho a saber o que era um ftp, o http, a ter já construído um site rudimentar, a utilizar o email, a fazer pesquisas na internet. Tive um professor algo visionário, que ensinou à minha turma uma série de coisas que ainda hoje me são úteis. Durante anos, encontrei muitas pessoas nos jornais que não sabiam o que era um ftp, esse utilíssimo cargueiro ciberespacial.

Mesmo sabendo tudo isso, muito pouco daquilo que consta nos meus trabalhos de licenciatura foi alcançado com recurso a pesquisas na internet. Eramos, por não haver outro remédio, ratos de biblioteca. Se alguém me falasse em googlar, provavelmente dava-lhe uma palmada nas costas para o desentalar. Nem que passasse horas e horas nos computadores da UM a escrever palavras no motor de busca – e a nossa escolha era entre o Sapo e o Yahoo -, a verdade é que havia muito pouco para descobrir porque a maior parte do mundo, e principalmente do nosso mundo português, não estava virada para a Internet.

Este estado de coisas mudou tão depressa que, de um dia para o outro, podíamos perceber essa mudança. Os sites apareciam, a maior parte deles feios, mesmo muito feios, e muito básicos. Mas apareciam. Muitas pessoas começavam a pedir emails, principalmente aquelas fontes mais ligadas às universidades e ao conhecimento científico. O meu email do trabalho começava a receber uma mão cheia de mensagens por dia, escritas como se escreviam as cartas comerciais, cheias de excelências e vénias linguísticas. Toda a gente passava tempo nos chats e o famoso mIRC, criado na UM, era muito popular. Tornei-me especialista em fazer pesquisas na internet, lia muitos jornais estrangeiros online, fiz a minhas primeiras entrevistas por mail a pessoas de outros países.

Mas a primeira vez que ouvi falar em blogs e em bloggers e a começar a ouvir nomes de bloggers que eram gurus de enormes comunidades foi no mestrado em Ciências da Comumicação, através da minha colega Elisabete Barbosa. A Elisabete já tinha as antenas orientadas para o sítio certo há muito tempo e foi por causa dela que essa turma de mestrado – da qual tenho muitas saudades – acabou por dar por si a escrever num blog, o Jornalismo e Comunicação. Já existia o Ponto Media, do António Granado, e o Paulo Querido, que era então jornalista do Expresso e provavelmente a pessoa em Portugal que mais sabia de internet e dos seus segredos e novidades, parecia que nos mandava crónicas do futuro.

Era muito estranho escrever num blog e eu sentia uma grande responsabilidade sempre que o fazia. Era avassalador sentir que o escrevia ficava gravado na net como numa pedra e que toda a gente podia ler e reler, como num livro instantâneo. O Jornalismo e Comunicação tornou-se uma referência na blogosfera e tinha leitores de todo o mundo lusófono. Depois desse blog, cuja participação fui descontinuando, escrevi em mais blogs, quase todos exercícios literários ou arenas colectivas sobre um mesmo interesse, como cinema. Nunca deixei de ir ver o Jornalismo e Comunicação, de acompanhar os seus debates, de me actualizar por ele. Foi esse blog que, ao longo destes dez anos, me fez continuar a sentir que fazia parte da UM e de me sentir ligada ao ninho onde aprendi a estudar e a investigar comunicação.

«Era, então, Primavera» – notas sobre o 10º aniversário deste blog

Faz hoje dez anos que este blog começou a publicar-se, por iniciativa de um pequeno grupo que se formou na turma de  Jornalismo daquela que, se bem recordo, foi a primeira ou a segunda edição do mestrado desta especialidade na Universidade do Minho. Era, então, primavera. Em vários sentidos.

1.

Nascemos na peugada e sob a inspiração de um outro blogger que já tinha mais de um ano de avanço, o António Granado e o seu Ponto Media, um corredor de fundo, como se tem comprovado.

Mas nascemos numa envolvente ainda pouco habitada, se assim se pode dizer. Metemo-nos a sério. Basta dizer que a Elisabete Barbosa,uma das protagonistas e factor decisivo – pelas razões que mais adiante explicarei – viria a publicar, pouco depois, aquele que deverá ter sido o primeiro livro de estudo crítico sobre o fenómeno dos blogs e da blogosfera, precisamente em co-autoria com António Granado e com prefácio meu. E os dois, com mais duas alunas de licenciatura (uma delas hoje jornalista na SIC, a Sara Antunes Oliveira) organizamos na Universidade do Minho, em 18 e 19 de Setembro de 2003, o primeiro Encontro Nacional de Weblogs, com repercussão nacional através (como haveria de ser de outra forma?!) dos media clássicos, em particular a SIC e o Jornal de Notícias.

2.

Permitam-me uma nota pessoal, já que ela pode ter algum significado para avaliar como os tempos eram já, e continuam a ser, de mudança (de paradigmas?)

Eu leccionava, então, uma disciplina nova, intitulada Sociologia das Fontes Jornalísticas. Era nova em vários sentidos. Desde logo porque tinha nascido de um projeto de investigação coletivo daquele que viria a ser o Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho. Mas, também, porque tinha subjacente a ideia de que nada compreenderíamos  do que é o jornalismo se não estudássemos as suas fontes e não rompêssemos com uma visão idílica e naïf da sua natureza e dinâmica. Depois da profissionalização e instituição das fontes – uma autêntica revolução para a qual nos vinha alertando o académico luso-brasileiro Manuel Carlos Chaparro – seria preciso atender ao novo quadro que a Internet estava a configurar e que, naqueles anos inaugurais do novo século, começava a balbuciar aquilo que viria a ser conhecido como a web 2.0.

Ora, nas aulas de Fontes, procurávamos estar atentos a isso. Lembro-me vagamente que tínhamos para ler e comentar uns textos do Journal of Computer-Mediated Communication (já então em acesso livre), e que,no quadro do debate que se gerou, a Elisabete chamou a atenção para o significado que poderia vir a ter para a relação entre jornalistas e fontes essa coisa nova que estava aí a nascer e que se chamada weblog. Veio à baila, como exemplo conhecido de alguns de nós o Ponto Media. Eu conhecia também uma forma parecida que há alguns anos o Pedro F.(onseca) vinha desenvolvendo e que viria a dar origem ao seu Contrafactos e argumentos. E, viríamos então a descobrir, a própria Elisabete tinha acabado de lançar o seu próprio blog – o Jornalismo Digital, que ainda hoje resiste. Depois de alguma conversa, a questão surgiu como natural: faz ou não sentido lançarmo-nos, enquanto turma, na criação de um blog próprio, a abrir eventualmente a outros docentes interessados? O assunto transitou para a aula seguinte e a decisão foi pela afirmativa, ainda que o grupo dos que se entusiasmaram com a ideia se tivesse reduzido drasticamente. Além da Elisabete, de mim, da Dora Mota (hoje jornalista no JN) e, creio que o João Carlos Gonçalves (que se interessava por jornalismo escolar), ninguém mais se dispôs a pôr de pé o projeto. Se bem recordo, foi a Elisabete que foi ao blogger.com e criou lá o ‘Jornalismo e Comunicação’, dando-nos, depois, uma sessão de formação. De resto, poucos meses a seguir, vendo as potencialidades dos blogs para o ensino e aprendizagem do jornalismo, criei o ‘Aula de Jornalismo’, tendo a Elisabete voltado a ser a ‘formadora de serviço’ dos docentes que quiseram aderir.

Não posso dizer que não conhecia nada dos blogs, naquela ocasião. Mas tenho de confessar que foi no quadro do debate havido na aula, induzido sobretudo pela Elisabete, que eu me apercebi dos horizontes, alcance e potencialidades do fenómeno. De modo que, em mais de uma ocasião, disse e assumo que este momento foi para mim o primeiro e talvez mais ilustrativo caso de que, em cada vez mais situações, o professor não será tanto aquele que ensina (para os alunos aprenderem), mas o que proporciona o ‘setting’ e as condições para que todos estudem e aprendam. E digo, também, que isto é bonito, mas é mais fácil de dizer do que de fazer (bem feito).

3.

Não estou em condições de analisar o percurso deste blog, o papel que teve, em vários momentos, no acompanhamento crítico da actualidade jornalística e mediática. Outros o poderão vir a fazer com mais distanciamento. O contexto foi-se alterando significativamente, sobretudo à medida que avançava a segunda metade da primeira década do século XXI. Por outro lado, terminou em 2006 um projeto de investigação, o Mediascópio que envolvia boa parte da equipa do J&C e que tinha como objetitvo e método rastrear os acontecimentos da atualidade jornalística e mediática e os seus bastidores como sinalizadores de tendências e de problemas. De forma indireta, isso impelia-nos a recolher, tratar e publicar. Entre 2009 e 2010, a equipa do blog teve de se virar, de alma e coração para a organização de uma conferência mundial de ciências da comunicação e a actualização deste espaço começou a rarear, até que parou. A vida académica alterou-se também muito, num sentido que não facilita esta vertente, o que é certamente deplorável. Ainda assim, quisemos pôr fim ao silêncio e voltar ao espaço público, tirando agora partido da articulação do blog com outras plataformas e com redes sociais como o Facebook e o Twitter.

Em todo o caso, as dificuldades de debater e fazer dos blogs espaços vivos e intervenientes são manifestas. E, no entanto, esse esforço é cada vez mais necessário, em particular no campo jornalístico e mediático, até porque os media profissionais o fazem cada vez menos. Há lugar para um tipo de discurso e de intervenção no espaço público que nem é o discurso erudito dos ensaios ou da investigação nem os quase monossílabos e oráculos dos tweets e posts facebookeanos. Custa pensar e custa escrever. Mas sem pensar e sem partilhar, não vamos lá.

PS – Recordar é …esquecer (também). E reconstruir. Por isso, e como se tratou de um projeto coletivo, são bem-vindas achegas, leituras, interpretações, correções.

Marcas do tempo que passa

Talvez por falta de outros motivos para celebrar, 2012 tem vindo a revelar-se um ano cheio de aniversários que as marcas comemoram com maior ou menor criatividade.

 As marcas acompanham-nos ao longo do tempo vivendo connosco cada momento. Lá fora, tal como cá, este ano marca o aniversário de algumas bastante emblemáticas com campanhas que prometem deixar também a sua marca. É o caso, por exemplo da centenária bolacha Oreo, do rum Bacardi, que celebra 150 anos, ou do Motel 6, com um filme que demonstra bem a passagem do tempo, incluindo o preço de uma noite que há 50 anos custava 6 dólares e agora ronda os 40.

Por cá, festejamos os 75 anos da Renascença com diversas iniciativas, incluindo partilha de histórias de vida dos ouvintes e uma emissão sobre rodas, num autocarro pelas ruas da capital e uma descentralização até ao café Vianna, em Braga, e os 60 da Compal, com um novo eixo estratégico que “Podia ser magia, agronomia ou ideologia. Mas falamos de Frutologia!”,

incluindo a alentejana “Amêcha Rainhã Cláudiã”, primeira de uma série de edições limitadas para coleccionar e celebrar fruta portuguesa com espírito positivo, já que “Nesta altura que só se fala de crise, nem que seja apenas nos blocos publicitários, queremos que haja um raio de sol”, explicou Miguel Garcia, diretor de divisão de negócio de nutrição da Sumol-Compal ao Dinheiro Vivo.

Festejemos, portanto.

Política científica em debate

A SOPCOM – Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação vai representar Portugal no I Fórum Iberoamericano de Comunicação, nos dias 11, 12 e 13 de abril, em Quito, no Equador, para apresentar um estudo sobre política científica em Comunicação em Portugal. 

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Refletir sobre o percurso das Ciências da Comunicação como área de conhecimento é o principal objetivo deste Fórum constituído no ano passado em São Paulo, por iniciativa da CONFIBERCOM – Confederação Iberoamericana de Associações de Ciências da Comunicação. Estruturado em três eixos principais, este encontro tem o intuito de problematizar a pós-graduação, a publicação em revistas científicas e a política científica nesta área de conhecimento em particular.

A delegação portuguesa neste fórum vai apresentar os dados preliminares de um estudo que fez o levantamento das 148 teses de doutoramento defendidas nesta área em Portugal entre 1990 e março de 2012 e analisou os 15 cursos que atualmente conferem o grau de doutor em Comunicação nas universidades portuguesas. Estimando que estarão em preparação cerca de três centenas de dissertações, este relatório patrocinado pela SOPCOM – Associação Portuguesa de Ciências da Comunicação revela ainda que, em 11 anos, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia financiou 75 projetos coletivos de investigação científica e desenvolvimento tecnológico.

Com cursos de graduação de Norte a Sul do país (ainda que com especial concentração no litoral), quatro centros de investigação em Comunicação, pelo menos seis revistas científicas em papel (e oito online) e uma numerosa rede de jovens investigadores, o domínio das Ciências da Comunicação em Portugal é hoje, defendem os autores do relatório, um terreno fértil e de grande produtividade. Ainda assim, ao Equador os investigadores portugueses vão também apresentar os desafios que hoje se impõem ao campo: o desafio de auto-reflexividade e de afirmação no seio das ciências sociais e humanas; o desafio da sustentabilidade; o desafio da internacionalização e o desafio associativo.

Nota: sou coautora do relatório.