Os media e a sua irrelevância

«A verdade é que a maioria dos media se encontra ou acantonada num confortável conformismo ou numa quase paralisia imposta por uma draconiana redução de despesas, que impede qualquer actividade de investigação. Só que, sem essa investigação, sem essa função irreverente de watchdog, os media apenas repetem as versões que interessam aos poderes. Sobrevivem, mas isso não é vida. A crise que os media estão a atravessar não é alheia a esta situação. Os media parecem empenhados em provar a sua irrelevância, sem perceberem que é esse o caminho que os está a levar à cova.»

José Vítor Malheiros, PÚBLICO, 26.10.2010 “Memórias de uma imprensa bem-comportada”

O Chile / as minas / os operários – olhar para além do ‘milagre’

Nestes que são tempos (ainda) de exaltação do espírito combativo humano, a propósito do salvamento dos mineiros chilenos, importará, por certo, estender o olhar um pouco para além da brilhante campanha de Relações Públicas levada a cabo pelo governo de Santiago.
(Foto de Rodrigo Arangua/AFP/Getty Images, retirada do espaço The Big Picture, no site Boston.com)

Esta que foi uma ‘história perfeita’ – tanto do ponto de vista jornalístico (inédita, apelativa para grandes audiências, cheia de emoção, com potencial de desenvolvimento visual e infográfico, com fontes disponíveis, com um final feliz) como das Relações Públicas (a deliberada banalização – para usar a expressão de Billig – da simbologia nacionalista, a gestão primorosa da relação com os média, a naturalização de processos de construção de imagem pública – de mineiros, familiares, técnicos e políticos)  resulta de um contexto e é parte de outras histórias que o jornalismo precisaria de contar.
Recomendam-se, nesse sentido, duas leituras:

1. “Au Chili, derrière l’euphorie médiatique, les hommes“, de Franck Gaudichaud, no Le Monde Diplomatique.

“Dans les faits, les trente-trois mineurs surmédiatisés demeurent paradoxalement sans voix. Ni eux, ni leur familles, ni le mouvement syndical – historiquement puissant dans ce secteur, mais affaibli par la dictature et ses réformes néolibérales –, n’ont eu l’occasion de donner leur analyse des causes de l’accident. A l’extérieur, ceux qui ont réussi à échapper à l’éboulement tentent de rappeler que leurs salaires n’ont pas été versés depuis plusieurs semaines : « Arrête ton show Piñera, nous sommes aussi trois cents dehors. » Ils se heurtent à l’indifférence générale.”

2. “Chile’s ghosts are not being rescued“, de John Pilger, no New Statesman.

“The accident that trapped the miners is not unusual in Chile, but the inevitable consequence of a ruthless economic system that has barely changed since the dictatorship of General Augusto Pinochet. Copper is Chile’s gold, and the frequency of mining disasters keeps pace with prices and profits. There are, on average, 39 fatal accidents every year in Chile’s privatised mines. The San José mine, where the men work, became so unsafe in 2007 that it had to be closed – but not for long. On 30 July last, a labour department report warned again of “serious safety deficiencies”, but no action was taken. Six days later, the men were entombed.”

«A net será a terceira vida da rádio»

Em mais de três quartos de século de história em Portugal, a rádio não conseguiu resolver a contraditória relação que tem com profissionais e investigadores. Na verdade, apaixonando os profissionais que nela fazem carreira, a rádio não conquistou, porém, equivalente sentimento na comunidade científica da Comunicação. Parente pobre dos estudos mediáticos, a rádio procura ainda assim re-situar-se na era dos media electrónicos. Ora, é precisamente sobre o futuro que se discute hoje em Lisboa, na Universidade Lusófona, a pretexto dos 75 anos da Rádio Pública em Portugal. O programa conta com a presença de várias figuras da rádio, com reflexões que variam entre o optimismo próprio de quem vê desafios nas novas plataformas ao serviço do meio radiofónico e a dificuldade de reconhecer a rádio de outros tempos nos actuais contextos tecnológicos.

Mário Figueiredo, Provedor do Ouvinte da RDP, por exemplo, admitiu que a Internet pode ser a «terceira vida da rádio», mas não escondeu algumas reservas: «A minha rádio [foi assim que se referiu à rádio de outras gerações] era mais artística». Por outro lado, admitiu ser triste ouvir rádio hoje, «sobretudo quando se percebe que a rádio já não tem gente por dentro».