O ano de 2007 foi, no campo dos media, fértil em polémicas: a cobertura do desaparecimento de Madeleine McCann; o processo em torno do novo Estatuto do Jornalista; o lugar da regulação e da entidade reguladora; o serviço público de televisão nos 50 anos da RTP, etc…
A parte esmagadora da polémica centrou-se na luta ideológico-partidária e na contestação à política do Governo. É salutar que haja polémica. Mas é também salutar que ela assente em matéria consistente e não em fumaça. De outro modo cansa e satura. E pode até ser perigosa: porque de tanto berrar que vem aí o lobo…
A mensagem que se fez e se tem feito passar é a de que existe uma estratégia bem urdida pelo Governo de controlo da informação, de silenciamento do jornalismo independente e, em última análise, de ameaça à liberdade de expressão e de imprensa.
Deixemos de lado, por risível, a posição dos que entendem que chegámos a uma situação igual ou mesmo pior do que aquela que tínhamos antes do 25 de Abril. Se tal tivesse o mínimo cabimento, os Gato Fedorento há muito que teriam sido irradiados do ecrã do serviço público, pelo menos em horário de ‘prime’ time’.
Não seremos ingénuos ao ponto de pensar que este Governo, como todos os outros, aqui e lá fora, não governam pela e para a comunicação social e que, por conseguinte, não procuram assegurar que a sua mensagem passe melhor do que as posições adversárias. Mas a facilidade com que se deslocam para a esfera do poder argumentos e responsabilidades que são também de quem os utiliza debilita, por vezes, a própria crítica.
Um exemplo: o projecto de Estatuto do Jornalista foi objecto de contestação em diversos quadrantes e com enfoques nem sempre coincidentes, em particular entre o sector sindical e o daquele que poderíamos classificar como pró-ordem dos jornalistas. Todos diziam que o caminho certo seria não a hetero-regulação mas a auto-regulação. Porém, em mais de um ano de lutas, deu-se algum passo consistente para retirar ao poder político argumentos naquilo que foi caracterizado como “fúria legislativa”? Reitero aquilo que já escrevi anteriormente e que vale também para a feroz contestação à existência e actividade da ERC: uma mera contestação reactiva, que não passa a um patamar de auto-organização e definição de regras entre parceiros, só pode redundar em inconsequência e em reforço da lógica hetero-regulatória.
Por outro lado, as tensões e contradições continuam a ser formuladas em termos dicotómicos (media vs governos; trabalhadores vs. patrões …), quando, hoje, a complexidade das organizações e dos sistemas arrasa com tais simplismos. O caso dos ‘direitos de autor’ dos jornalistas – um ponto em evidência nos debates sobre o Estatuto – aí está para o mostrar.
Olhando para 2008, é desejável que as polémicas continuem, que se continue a escrutinar os actos governamentais e a denunciar eventuais atropelos. A democracia definha quando tal não se verifica. Mas é preciso reflectir e estudar mais os assuntos, envolvendo todos quantos podem dar contributos nesse sentido. Neste ponto, creio que seria vantajoso tirar partido da crescente presença de profissionais e gestores dos media nos cursos universitários, como docentes ou palestrantes, para potenciar plataformas que habilitem o estudo e qualifiquem a acção. Os anglo-saxónicos recorrem frequentemente a este tipo de “think tanks”, de carácter mais permanente ou mais conjuntural e, em alguns casos, pelo menos, os resultados são positivos. Os universitários têm muito a aprender com esse tipo de intercâmbios. E têm provavelmente algum contributo a dar.