Público: um tiro na confiança dos leitores

Ontem, o jornal Público fez manchete com um tipo de gente que raramente tem, como colectivo, esse privilégio: os docentes do ensino superior. Mas a matéria justificava. Num panorama geral de racionamentos e cortes, estas almas que não se sabe bem o que fazem, iriam ter o privilégio de escapar à redução de salários. Nada menos do que isso. E até mais do que isso: “Professores do Ensino Superior serão a excepção e poderão ter aumentos”, proclamava o destaque da primeira página. Claro, esses malandros andam pelos gabinetes dos ministérios e ocupam mesmo cargos governamentais e lá se arranjaram como puderam, terão pensado muitos. As jornalistas que assinaram o trabalho ou os editores que o supervisionaram não se deram ao trabalho de averiguar se seriam os perto de 40 mil docentes ou, por exemplo, apenas uma centena ou duas, como será o número que está em causa. Não. Arrancam com a peça assim: “os professores do ensino superior vão ficar a salvo dos congelamentos decretados para a função pública e, no próximo ano, a progressão na carreira destes docentes voltará a ser acompanhada dos respectivos aumentos salariais“. Lá mais para o meio do texto percebia-se – ainda que mal – que estavam em causa apenas alguns docentes, mas o mal já estava feito. E foi devastador, já que outros jornais, rádios e televisões, preguiçosos e seguidistas, se encarregaram de amplificar a mentira para Portugal e arredores.

Por múltiplos canais a falsidade foi denunciada ao longo do dia. Aguardava-se, assim, que ao menos no esconso recanto de “o Público errou” se viesse repor a verdade dos factos e esclarecer o assunto. Qual quê? Aproveitando aquilo que é um desmentido do ministro, o jornal faz de conta que não publicou manchete nenhuma e arruma numa discreta chamada de primeira página da edição de hoje, ao fundo, do lado esquerdo,  a informação: “Ministério da Educação diz que não há regime de excepção e que valorizações decorrem de obrigações legais”.

Uma vez que o Público se marimba assim para os leitores (mais grave: toma-os por uns papalvos que não pescam estas maroscas,  na expectativa de, no curto prazo, isso lhe trazer mais dois ou três compradores), resta recorrer ao provedor do leitor. Ficando no ar a suspeita de que a obstinação no erro e o não querer dar o braço a torcer tenham mais a ver com a mão dos responsáveis editoriais do que propriamente das jornalistas. É esperar para ver.

Seja como for, um caso assim (e que será de outros cuja matéria não conhecemos de perto?) é um golpe fundo naquilo que é o maior património de um meio de informação jornalístico: a sua credibilidade.

A entrevista televisiva: mais pode ser… menos?

Nos últimos anos, vem-se generalizando no jornalismo televisivo a entrega das entrevistas a grandes figuras do Estado, ou os grandes debates eleitorais, não apenas a um jornalista mas, muitas vezes, a dois ou mais.  Está ainda por demonstrar a vantagem, para o campo jornalístico e para o sucesso da sua produção discursiva mediadora, desta alteração do formato.

A leitura imediata é aparentemente favorável a esta situação: havendo mais jornalistas com possibilidade de fazer perguntas, há um alargamento do campo de possibilidades. No terreno das práticas, os jornalistas podem preparar melhor as questões, definindo e dividindo entre si os papeis que desempenharão, nomeadamente, na atribuição e desenvolvimento de questões relativas a áreas temáticas de generalidade ou de especialidade. Por outro lado, tratando-se da ocupação de um plateau televisivo, a presença de vários jornalistas pode indiciar uma vantagem semiótica de quem detém a função-pergunta, que é também quem detém a função mais geral de mediação e de representação do público. Mais representação e mais diversidade podem ser uma vantagem imediata. Será assim?

Julgo existirem algumas questões que, dentro de uma definição dinâmica do género entrevista, esta evolução do seu formato televisivo, nos coloca. Um dos problemas práticos, inerentes à sua própria execução em tempo real, das entrevistas conduzidas por mais do que um jornalista, é que nem sempre são fáceis de coordenar. A pré-coordenação, que comporta vantagens imediatas evidentes, já elencadas acima, pode esboroar-se nos próprios constrangimentos instantâneos do formato que colocam, directamente, em confronto, o estabelecimento do diálogo com o entrevistado com o limite temporal do formato.

Existem também, por um lado, o entrevistado e as dificuldades próprias que ele coloca (José Sócrates, por exemplo, era visto pelos jornalistas como “um animal político” por excelência, tornando-se cada entrevista televisiva em directo com o antigo Primeiro-Ministro um exercício que colocava, desde logo, os jornalistas, perante os seus mais íntimos receios de exposição de fragilidades próprias – em resumo, uma entrevista com alguém como Sócrates, era invariavelmente um exercício auto-intimidatório desde a fase de preparação) e, por outro, a própria necessidade de intercoordenação das questões e do seu sequenciamento temporal, dificultando o aprofundamento de qualquer estratégia dialógica, ou seja, a própria partilha do plateau com outro(s) jornalista(s) e a necessidade de respeitar as perguntas por ele(s) preparadas, tornam-se, muitas vezes, constrangimentos não totalmente previstos.
Assim, ao contrário do que possa parecer no imediato, o facto de uma entrevista de televisão ser conduzida por mais do que um jornalista não significará que haja uma vantagem final do lado jornalístico. Poder-se-á até especular e discutir a possibilidade de que a evolução do formato possa estar a gerar uma vantagem do lado dos entrevistados, porque lhes acabam por ser fornecidas, pela gestão do processo em tempo real, zonas de sombra, espaços maiores do que os inicialmente aparentes, para dominar a produção do discurso, transformando essas zonas de sombra em zonas de conforto, sabendo que dificilmente o formato os fará sair delas.

Um dos maiores problemas que se colocam ao campo jornalístico é que o grau de preparação técnica que uma entrevista, hoje, exige, nomeadamente no conhecimento dos intrincados assuntos da actualidade económica e financeira, restringe o campo de possibilidades dos jornalistas. Essa exigência é potencialmente geradora de um muito maior receio de errar, porque, desde logo, os meandros técnicos das questões permitem múltiplas linhas-de-fuga, ou seja, a própria especificidade temática constrói, também, para o entrevistado, zonas intersticiais, zonas de sombra.
Repare-se como, por exemplo, é em momentos posteriores de análise e opinião, que os jornalistas-especialistas que, muitas vezes, já se encontraram no papel de entrevistadores, se revelam particularmente cáusticos. Vimo-lo ontem, nas televisões, nos debates que se seguiram à entrevista de Pedro Passos Coelho à RTP.

Em tudo isto, há um outro problema de base: a entrevista televisiva, além de se inserir num género jornalístico amplo é, em si mesma, um formato próprio dentro desse género. Além do constrangimento do tempo, que não existe na entrevista para o jornal, por exemplo, a sua semiótica é muito mais complexa. Há jogos semióticos cruzados, produção de significações paralelas e variadas, que nem sempre têm relação directa com o discurso propriamente linguístico que está a ser produzido. A entrevista televisiva torna-se, assim, outra coisa. É um texto feito de múltiplos textos. Por isso, ontem e hoje, é possível lermos e escutarmos tanto sobre o conteúdo como sobre a forma. Diria mesmo que, em televisão, essa forma se torna, tantas vezes, mais decisiva do que o próprio conteúdo.

Leia-se, por exemplo, o modo como começa a análise da Estrela Serrano à entrevista.

CECS lança eBook sobre rádio

ImagemO CECS acaba de publicar o eBook Radio Evolution – conference proceedings, que resulta da realização do segundo congresso da secção de rádio da ECREA, no ano passado, na Universidade do Minho. O livro reúne mais de 40 artigos que procuram refletir sobre as transformações em curso no meio radiofónico, do ponto de vista da tecnologia, das audiências e dos conteúdos.

No texto de abertura desta publicação, Guy Starkey, que coordena esta secção da ECREA, insiste que «a rádio está realmente a evoluir, em termos que seriam inconcebíveis para os nossos antecessores, e os conteúdos radiofónicos estão hoje disponíveis em várias formas e plataformas» (p.1). Contrariando, portanto, perspetivas mais negativistas que tendem a anunciar a morte da rádio, este eBook apresenta-se como uma proposta para reforçar o olhar a um meio que integra a história dos media há praticamente um século, com a gentileza e a generosidade de pouco reclamar de quem o ouve.

O acesso ao eBook integral é gratuito.

Madalena Oliveira

Independência, avaliação e qualidade no serviço público de televisão e rádio

  • Recusa da venda, concessão ou retalhamento do serviço público
  • Aposta numa oferta diferenciada que se distinga dos privados
  • Avaliação da prestação do serviço público de rádio e TV por entidades independentes
  • Valorização das novas plataformas da TV digital

… eis quatro ideias fortes da tomada de posição do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho, a propósito das medidas que o Governo está a estudar e no quadro do debate público que tem vindo a ocorrer no nosso país, mas com repercussão internacional.

É o seguinte o teor do texto que os media estão hoje a divulgar:

Por um Serviço Público de Média independente, avaliado e de qualidade

O recente debate sobre o futuro do Serviço Público de rádio e televisão, independentemente da forma como foi colocado, é urgente e indispensável. Neste contexto, o Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade, que há mais de uma década publica obra sobre o tema, entende apresentar este contributo que sucintamente exprime uma reflexão coletiva sobre a matéria.

Historicamente, o Serviço Público de rádio e de televisão tem sido gerido pelo Estado em função de interesses políticos imediatos. Em momentos cruciais, essa gestão fez-se totalmente à margem de qualquer sentido de interesse público ou valor público. Nada indicia que, no presente, esta linha de atuação seja diferente. Esta lógica de funcionamento tornou-se particularmente evidente quando, por exemplo, se aboliu a taxa de televisão e quando se entregou a uma empresa por um valor simbólico a rede de transmissão da RTP e, em tempos mais próximos, quando se cedeu aos interesses privados no processo de implementação da TDT. Importa salientar este traço histórico porque ajuda a explicar, em larga medida, a situação atual do Serviço Público e a imagem que dele fazemos enquanto bem comum.

Os intensos debates em curso na maioria das sociedades democráticas sobre os serviços públicos de média, sobretudo em tempos de acelerada mudança tecnológica, parecem centrar-se em torno de algumas questões-chave: disponibilização de conteúdos de qualidade e diversificados, tanto em termos temáticos como de género; reforço dos mecanismos de independência face aos poderes políticos e financeiros; desenvolvimento de modalidades de prestação de contas à comunidade e aumento da eficiência financeira das entidades que prestam este serviço público. Essencialmente, procura-se manter  viva a consciência de que o serviço deve ser universal no acesso e que não faz sentido sem uma cultura de funcionamento que entenda as audiências como cidadãos e não como consumidores.

Na esmagadora maioria dos casos, estas discussões presumem que a prestação de serviço esteja a cargo de uma entidade específica, com regras de funcionamento que a distingam dos operadores comerciais, que seja regulada pelo Estado e acompanhada pelos cidadãos. Um Serviço Público de média funciona assim como espaço agregador da sociedade, como instituição que alarga garantias cívicas de acesso, de diversidade, de pluralidade.
No atual contexto de crise económica grave, o caminho para o Serviço Público de média em Portugal passa, em primeiro lugar, pela discussão sobre como melhorar e qualificar o serviço público que (não) temos. Este serviço tem um papel específico a desempenhar na superação da crise, quer no plano interno, quer junto das comunidades emigrantes e no espaço da lusofonia. Deverá ser repensado considerando propostas de desempenho diferenciador em áreas como os espaços não demagógicos de participação dos cidadãos, a educação para os media ou formação crítica dos telespectadores, a programação criteriosa para a infância e os públicos mais jovens, a cultura portuguesa e as expressões culturais do espaço lusófono, a informação e a formação para a ciência e a investigação.
É precisamente agora que se abre uma clara oportunidade para enveredar por um  Serviço Público de média, gerido com independência e rigor, produzindo conteúdos de excelência e disponível em acesso aberto. O caminho da redução de custos foi trilhado com sucesso nos últimos anos; importaria agora trilhar esse outro que é o do aprofundamento do valor do serviço para os cidadãos, nomeadamente trazendo à consideração a presença noutras plataformas para além do universo audiovisual tradicional e envolvendo a empresa na discussão do chamado dividendo digital.
Acreditamos que, independentemente dos canais existentes ou a existir, este é também o caminho mais apropriado para Portugal – a disponibilização, tendencialmente em plataformas de sinal aberto, de um fluxo de conteúdos alargado e diversificado, produzidos por uma entidade pública, respeitando um caderno de encargos prévio e objetivos financeiros claros. Entendemos, nesta linha de salvaguarda do cumprimento efetivo desses compromissos, que devem ser instituídos processos periódicos de avaliação, quantitativa e qualitativa, da prestação das partes envolvidas, a desenvolver e publicitar pelas instituições científicas com competência para o efeito.
O Serviço Público de média não pode e não deve ser dividido em parcelas, não pode e não deve ser concessionado a uma entidade privada (com interesses legítimos, mas fundamentalmente distintos dos do Estado) e não pode e não deve ser vendido à melhor oferta. O Serviço Público de média é, em simultâneo, sinal de vitalidade e garante da democracia. É parte inteira do que somos, enquanto comunidade de interesses partilhados. Vendê-lo, concessioná-lo ou retalhá-lo são opções que servem apenas interesses de gestão política do instante. Qualquer delas contribui, de forma substantiva, para um empobrecimento real do que somos e para um diminuição da confiança dos cidadãos num Estado que serve.

Sinais do vigor da rádio – cá e no Brasil

São múltiplos e permanentes os sinais da vitalidade do meio rádio. Vejamos alguns relativos a acontecimentos que têm lugar por estes dias:

Hoje mesmo foi anunciado entre nós o III R@adio em Congresso, uma iniciativa que decorrerá no dia 26 deste mês no ISCSP (Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas), em Lisboa. Nesta terceira edição, Nesta III edição, vários profissionais vão discutir futuro(s) modelo(s) de negócio da música e da rádio em Portugal.
Do outro lado do oceano,é manhã apresentado, na Universidade de Fortaleza, o Portal do Rádio, um site académico que “reúne informações em texto, áudio e vídeo sobre a radiofonia”. A iniciativa é do Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora da Intercom (que está a realizar por estes dias o seu congresso anual precisamente naquela cidade brasileira) e surge associado à evocação dos 90 anos da primeira transmissão oficial de rádio no Brasil.
O site fica hospedado na Universidade Federal da Bahia (UFBA), tendo o conteúdo sido produzido pelos pesquisadores do Grupo dePesquisa. Segundo a coordenadora, professora Nair Prata, “a ideia é que o Portal seja uma referência em radiofonia no país, pois todas as informações que interessam a pesquisadores, professores e estudantes estarão lá”. A professora lembra, no entanto, que é apenas o primeiro passo, “pois o site ficará aberto a contribuições permanentes, de modo que esteja sempre atualizado”.
O mesmo Grupo, de resto, apresentou ontem, também no contexto do 35º Congresso da Intercom, a Enciclopédia do Rádio Esportivo Brasileiro, um livro que biografa os 231 mais destacados radialistas desportivos de todos os Estados do país. O livro, organizado pelas jornalistas e professoras mineiras Nair Prata (UFOP) e Maria Cláudia Santos, tem prefácio do presidente da Intercom, Antonio Hohlfeldt. O trabalho é mais uma investigação coletiva do Grupo de Pesquisa Rádio e Mídia Sonora da Intercom e conta com a colaboração de 121 autores. Segundo a professora Nair, “o livro nasceu da necessidade de se contar a história de uma das facetas mais ricas e mais populares da radiofonia, a programação esportiva, mas não de uma forma linear. Buscamos contar essa história por meio da recuperação da trajetória dos personagens que a construíram”.

Manuel Pinto