Petição “Pelo Jornalismo, pela Democracia”

Está desde há dias a recolher assinaturas a petição “Pelo Jornalismo, pela Democracia”, uma iniciativa de perto de uma centena de jornalistas, ex-jornalistas e académicos ligados à área do jornalismo. A petição desafia todos os cidadãos a “empenhar-se [na] defesa de uma imprensa livre e de qualidade e a colocar os seus esforços e a sua imaginação ao serviço da sua sustentabilidade”.  Os destinatários não são apenas jornalistas ou outros profissionais dos media, mas todos os cidadãos. O texto, acompanhado da lista dos proponentes, é publicado abaixo. Para assinar, clicar AQUI:

“Pelo jornalismo, pela democracia 

A crise que abala a maioria dos órgãos de informação em Portugal pode parecer aos mais desprevenidos uma mera questão laboral ou mesmo empresarial. Trata-se, contudo, de um problema mais largo e mais profundo, e que, ao afectar um sector estratégico, se reflecte de forma negativa e preocupante na organização da sociedade democrática. 
O jornalismo não se resume à produção de notícias e muito menos à reprodução de informações que chegam à redacção. Assenta na verificação e na validação da informação, na atribuição de relevância às fontes e acontecimentos, na fiscalização dos diferentes poderes e na oferta de uma pluralidade de olhares e de pontos de vista que dêem aos cidadãos um conhecimento informado do que é do interesse público, estimulem o debate e o confronto de ideias e permitam a multiplicidade de escolhas que caracteriza as democracias. O exercício destas funções centrais exige competências, recursos, tempo e condições de independência e de autonomia dos jornalistas. E não se pode fazer sem jornalistas ou com redacções reduzidas à sua ínfima expressão. 
As lutas a que assistimos num sector afectado por despedimentos colectivos, cortes nos orçamentos de funcionamento e precarização profissional extravasa, pois, fronteiras corporativas. 
Sendo global, a crise do sector exige um empenhamento de todos – empresários, profissionais, Estado, cidadãos – na descoberta de soluções. 
A redução de efectivos, a precariedade profissional e o desinvestimento nas redacções podem parecer uma solução no curto prazo, mas não vão garantir a sobrevivência das empresas jornalísticas. Conduzem, pelo contrário, a uma perda de rigor, de qualidade e de fiabilidade, que terá como consequência, numa espiral recessiva de cidadania, a desinformação da sociedade, a falta de exigência cívica e um enfraquecimento da democracia. 
Porque existe uma componente de serviço público em todo o exercício do jornalismo, privado ou público; 
Porque este último, por maioria de razão, não pode ser transformado, como faz a proposta do Governo para o OE de 2013, numa “repartição de activos em função da especialização de diversas áreas de negócios” por parte do “accionista Estado”; 
Porque o jornalismo não é apenas mais um serviço entre os muitos que o mercado nos oferece; 
Porque o jornalismo é um serviço que está no coração da democracia; 
Porque a crise dos média e as medidas erradas e perigosas com que vem sendo combatida ocorrem num tempo de aguda crise nacional, que torna mais imperiosa ainda a função da imprensa; 
Porque o jornalismo é um património colectivo; 
Os subscritores entendem que a luta das redacções e dos jornalistas, hoje, é uma luta de todos nós, cidadãos. 
Por isso nela nos envolvemos. 
Por isso manifestamos a nossa solidariedade activa com todos os que, na imprensa escrita e online, na rádio e na televisão, lutando pelo direito à dignidade profissional contra a degradação das condições de trabalho, lutam por um jornalismo independente, plural, exigente e de qualidade, esteio de uma sociedade livre e democrática. 
Por isso desafiamos todos os cidadãos a empenhar-se nesta defesa de uma imprensa livre e de qualidade e a colocar os seus esforços e a sua imaginação ao serviço da sua sustentabilidade”. 

Proponentes

Adelino Gomes – Jornalista
Agostinho Leite – Lusa
Alexandre Manuel – Jornalista e Professor Universitário
Alfredo Maia – JN (Presidente do Sindicato de Jornalistas)
Ana Cáceres Monteiro – Media Capital
Ana Goulart – Seara Nova
Ana Romeu – RTP
Ana Sofia Fonseca – Expresso
Anabela Fino – Avante
António Granado – RTP; Professor Universitário
António Navarro – Lusa
António Louçã – RTP
Avelino Rodrigues – Jornalista
Camilo Azevedo – RTP
Carla Baptista – Jornalista e Professora Universitária
Catarina Almeida Pereira – Jornal de Negócios
Cecília Malheiro – Lusa
Cesário Borga – Jornalista
Cristina Margato – Expresso
Cristina Martins – Expresso
Daniel Ricardo – Visão
Diana Andringa – Jornalista
Diana Ramos – Correio da Manhã
Elisabete Miranda – Jornal de Negócios
Fernando Correia – Jornalista e Professor Universitário
Filipa Subtil – Professora Universitária
Filipe Silveira – SIC
Filomena Lança – Jornal de Negócios
Francisco Bélard – Jornalista
Frederico Pinheiro – Sol
Hermínia Saraiva – Diário Económico
João Carvalho Pina – Kameraphoto
João d’Espiney – Público
João Paulo Vieira – Visão
Joaquim Fidalgo – Jornalista e Professor Universitário
Joaquim Furtado – Jornalista
Jorge Araújo – Expresso
Jorge Wemans – Jornalista
José Luís Garcia – Docente e Investigador (ICS-UL)
José Luiz Fernandes – Casa da Imprensa
J.-M. Nobre-Correia – Professor Universitário
José M. Paquete de Oliveira – Docente, cronista, ex-provedor do telespectador (RTP)
José Manuel Rosendo – RDP
José Mário Silva – Jornalista freelancer
José Milhazes – SIC / Lusa (Moscovo)
José Rebelo – Professor Universitário e ex-jornalista
José Vitor Malheiros – Cronista, consultor
Leonete Botelho – Público
Liliana Pacheco – Jornalista (investigadora)
Luciana Liederfard – Expresso
Luis Andrade Sá – Lusa (Delegação de Moçambique)
Luis Reis Ribeiro – I
Luísa Meireles – Expresso
Manuel Esteves – Jornal de Negócios
Manuel Menezes – RTP
Manuel Pinto – Professor Universitário
Margarida Metelo – RTP
Margarida Pinto – Lusa
Maria de Deus Rodrigues – Lusa
Maria Flor Pedroso – RDP
Maria José Oliveira – Jornalista
Maria Júlia Fernandes – RTP
Mário Nicolau – Revista C
Martins Morim – A Bola
Miguel Marujo- DN
Miguel Sousa Pinto – Lusa
Mónica Santos – O Jogo
Nuno Aguiar – Jornal de Negócios
Nuno Martins – Lusa
Nuno Pêgas – Lusa
Oscar Mascarenhas – Jornalista
Patrícia Fonseca – Visão
Paulo Pena – Visão
Pedro Caldeira Rodrigues – Lusa
Pedro Manuel Coutinho Diniz de Sousa – Professor Universitário
Pedro Pinheiro – TSF
Pedro Rosa Mendes – Jornalista e escritor
Pedro Sousa Pereira – Lusa
Raquel Martins – Público
Ricardo Alexandre – Antena 1
Rosária Rato – Lusa
Rui Cardoso Martins – Jornalista e escritor
Rui Nunes – Lusa
Rui Peres Jorge – Jornal de Negócios
Rui Zink – Escritor e Professor Universitário
Sandra Monteiro – Le Monde diplomatique (edição portuguesa)
Sara Meireles – Docente Universitária e Investigadora (ESEC-Coimbra)
Sofia Branco – Lusa
Susana Venceslau – Lusa
Tiago Dias – Lusa
Tiago Petinga – Lusa
Tomás Quental – Lusa
Vitor Costa – Lusa

 

Lusa e Público: não basta a solidariedade

Mensagem enviada hoje aos jornalistas reunidos no Porto, em solidariedade com os trabalhadores do Público e da agência Lusa, em dia(s) de greve:

“A greve da Lusa, tal como a greve do Público, deveriam ser um sinal de alerta para os cidadãos e, em particular, para os políticos.

No jornalismo independente  e comprometido com a verdade reside um dos pulmões da democracia e um dos apoios fundamentais para que Portugal vença a crise em que se encontra.

A Lusa é uma peça-chave da diversidade e da abertura do jornalismo português. Comprometer a qualidade do seu trabalho é comprometer a qualidade do jornalismo nos outros media e, nessa medida, um atentado aos interesses do país.

Nesse sentido, a notícia da aquisição da Controlinveste por um grupo económico angolano, a confirmar-se, é inquietante. Sobretudo se tivermos em conta que a Controlinveste é o segundo maior accionista da agência, detendo 23% do capital. É, pois, um assunto a seguir com a maior atenção, exigindo do Governo a efectiva salvaguarda dos interesses do país.

Nesta hora, não basta a solidariedade, que ninguém de boa fé negará.  É preciso ir mais longe e juntar energias de todos os que se disponham a examinar a situação dos media e procurar caminhos novos que  assegurem condições a um jornalismo aberto e próximo das pessoas, que seja voz daqueles que não têm voz. Do lado da academia a que estou ligado, estamos  disponíveis a criar ou reforçar as pontes que possam dar suporte a esse objectivo”.

Lusa: quando se toca num esteio…

A vontade governamental de amputar o serviço público de media tem-se encarniçado sobretudo em torno da RTP. A RDP e a agência Lusa têm ficado mais na sombra do debate público, talvez por serem, por natureza, menos visíveis, mas nem por isso menos importantes. O caso da Lusa merece ser seguido com atenção, visto ser um meio de características especiais: desde logo, porque fornece informação aos outos meios, sendo, nesse sentido, um ‘grossista’; por outro lado, pouca gente a conhece – é uma entidade abstracta e sem rostos. E, no entanto, sem ela muitos meios de comunicação social ficariam em sérias dificuldades para cumprirem a missão de informar.

A Lusa é uma empresa com cerca de 25 anos de vida, cujo capital é detido maioritariamente pelo Estado, cabendo a propriedade ainda à Impresa e à Controlinveste, bem como a outras entidades ultraminoritárias. É de longe o meio com a maior rede de delegados e correspondentes quer no país quer no estrangeiro, especialmente nos países lusófonos, onde, além de reportar, também distribui informação. Produz diariamente centenas de textos e imagens, bem como, nos últimos anos, serviço noticioso em vídeo. Tudo isto faz dela um dos mais relevantes esteios do serviço público de media.

Depois de medidas de forte contenção de gastos tomadas nos últimos anos, a Lusa estava “a trabalhar, gastando menos”, ainda que precisasse do Estado para prosseguir a sua missão com qualidade. Era o próprio ministro do pelouro que o reconhecia, em intervenção no Parlamento, em Abril deste ano. Pois é precisamente a Lusa que se encontra, presentemente, em risco de deixar de cumprir o contrato assinado com o Estado, se se verificar o corte anunciado de 30 por cento no valor da indemnização compensatória.

Sem pôr em causa o esforço de racionalização e poupança que não pode esmorecer, tudo indica que um tal corte implica restringir a malha de cobertura da agência, em Portugal e no mundo, e, logo, um empobrecimento da diversidade da informação. Tal não seria preocupante se não significasse que todo o panorama informativo português, já em sérias dificuldades, se ressentirá por arrasto. De uma coisa podemos estar certos: amputar a Lusa é abalar o conjunto da informação mediática. A informação independente custa dinheiro, mas a falta dela, especialmente em tempos de crises e convulsões, custa ainda mais.

(in: Página 1, 15.10.2012)

Relações conflituosas…com o meu jornal II

Na sequência de uma decisão pessoal que resolvi publicitar (a de ter quebrado a minha relação de compra – já era, confesso, mais bi-ou-tri semanal do que diária – com o jornal Público) o Manuel Pinto achou por bem – e bem! – usar o mote para aqui abrir a porta a um debate sobre o tema genérico ‘porque perdem os jornais as suas audiências’.
Gostava, antes de mais, de explicar a minha opção, até porque fui já – e bem! – confrontado com a sua aparente incoerência. Não nego, desde logo, que ela exista. A incoerência. Existe pois, como existe em muito de tudo o resto que fazemos na vida. E felizmente que isso acontece, dir-me-ia um amigo que usa com frequência a expressão: “ainda bem que são como as pessoas”.
Como posso eu, agora, neste momento, em que o jornal se prepara – dizia-se há dias – para despedir uma centena de pessoas e para nos apresentar um novo rosto online, ‘abandonar o barco’? Ainda por cima um ‘barco’ no qual já só viajava às vezes? Ora, ora. Logo agora.
O que me parece interessante é olhar para este caminho e tentar perceber porque me fui gradualmente afastando do jornal e porque me doeu agora muito pouco fechar a porta. E a imagem do ‘barco’ é relevante porque comecei, precisamente, por ser um ‘leitor profissional’ do Público. Era, à época do seu arranque, jornalista em início de carreira e o Público fazia…o que eu gostava de estar a fazer. E fazia-o de forma consistente: preparava dossiers sobre os temas, antecipava polémicas, divulgava novas histórias. Tinha paginação e fotografia cuidadas (muito à imagem de uma outra das minhas paixões de juventude, o britânico The Independent). Era um grande jornal. Dava gosto ser fã. Fazia-lhe um like, em grande, se pudesse.
Dir-se-á que era uma imagem construída, pouco ligada à realidade do projeto em si. Pois sim. Mas era a minha imagem. E sentia-me, de facto, num ‘barco’ onde seguia viagem com um número significativo de leitores fiéis.
A primeira grande mudança neste estado de coisas aconteceu com a Direção editorial anterior à que agora o jornal tem. Confesso que em muitos momentos – o caso mais gritante terá sido o do apoio declarado à estratégia da Administração Bush para o Iraque – senti vontade de ‘saltar fora’.
Fiquei a meio caminho. Deixei apenas cair o hábito da compra quase diária. Era o Público, afinal de contas. A coisa havia de ir ao sítio. E, se me esquecesse por instantes da Direção, a casa tinha ainda tantos e tão bons profissionais.
Hoje, a casa continua a ter muitos profissionais de grande qualidade, mas sinto que a coisa não foi ao sítio. Longe disso. Foi para um sítio ainda pior, já muito longe (talvez longe demais) da linha de rumo. A forma como a Direção do jornal reagiu a uma interpelação do Provedor sinaliza, além de um profundo desrespeito pelas regras básicas de funcionamento e pela função social da profissão, um enorme desconhecimento dos leitores. Mais grave ainda; não sabendo quem são os leitores, a Direção mostra ainda que não tem interesse nenhum em saber.
Chegado a este ponto tinha uma de duas opções: ou salvava, para mim mesmo, uma imagem benigna de um dos mais bem conseguidos projetos jornalísticos do país ou arriscava um caminho em que as boas memórias já começassem a empalidecer por entre um amontoado de asneiras e asneirolas.
Bem sei que o Público não é – no panorama nacional – o caso mais trágico, do ponto de vista da degradação do produto jornalístico. Mas, porque chegou a significar tanto, dói mais.
Há, na chamada ‘crise do jornalismo’ aspetos que, sendo de natureza financeira, condicionam severamente o produto final. Mas há, também, aspetos que resultam de escolhas deliberadas de quem dirige os projetos. Creio que, no caso do Público, a gestão do projeto editorial foi, nos últimos anos, mais danosa para a credibilidade do jornal do que os anuais apertos financeiros ditados pela administração.
Como alguém que agora vê o ‘barco’ afastar-se, sem tino, embalado por ondas que lhe atiram cada vez mais água para um convés já encharcado, mantenho no espírito uma derradeira dúvida: porque assim quis ou porque assim deixou que fosse um empresário perspicaz e pouco dado a ‘longos funerais’ como o Eng. Belmiro?
Se ele, um dia, nos explicasse…
(a confiar nas palavras recentes do Joaquim Vieira parece que a Administração do Público quer, por estes dias, que se saiba o menos possível sobre a vida real do jornal. É, também isso, uma enorme pena).

Luís António Santos

Relações conflituosas … com o meu jornal

O colega deste blog e amigo Luís Santos anunciou, na sua página do Facebook, um ‘corte de relações‘ com o jornal Público, na sequência do comportamento do jornal relativamente à manchete da passada quinta-feira (sobre a alegada excecionalidade dos alegados aumentos dos docentes do Ensino Superior) e, suponho eu, das respostas das jornalistas e da diretora à interpelação por parte do Provedor do Leitor daquele diário.

Diz ele que dá por finda uma relação que durava há cerca de 20 anos e que já vinha a definhar há algum tempo. Conheço mais pessoas que já tomaram idêntica atitude, mais lá atrás ou agora, por causa do mesmo caso.

Percebo-os, mas não os sigo. Por dois motivos principais: um é o facto de, apesar de tudo, ainda haver jornalismo no Público e profissionais lá dentro a lutar por serem jornalistas, produzindo, apesar de tudo, um trabalho que, desgraçadamente para nós todos, ainda continua a destacar-se no panorama jornalístico português (significando, com isto, que as alternativas são escassas e ténues). Outro motivo é o facto de termos lá dentro um provedor que ouve, que acolhe, que se bate por que o jornal seja fiel à sua carta de princípios e que continua a publicar dominicalmente uma avaliação do jornal, com uma prestação que acho ser globalmente muito positiva. Temos pouco disso, hoje em dia, e é preciso dar força – seja ao José Queirós seja a um futuro sucessor no cargo.

O gesto de cortar relações compreendo-o sobretudo como desilusão de quem acreditou num projeto jornalístico novo,  que tão importante seria, especialmente, no atual contexto histórico do país e da Europa, mas que se foi deteriorando, sobretudo com as últimas direções editoriais. Talvez o jornal também precise desses sinais, para ver se acorda. Pela minha parte, opto, por enquanto, por continuar a dialogar com o jornal, a picar, se for caso disso, a propor (mesmo que não obtenha qualquer resposta, com já me aconteceu com mensagens dirigidas à atual diretora).