Depois de uma interrupção de quase dois anos, o Público vai ter de novo um Provedor dos Leitores. O jornal acaba de anunciar que a função vai ser assumida por José Paquete de Oliveira a partir dezembro.
A experiência do ‘ombudsman’ está presente na imprensa generalista portuguesa desde 1997. Nos média audiovisuais de serviço público existe desde 2006. Apesar de constituir uma figura muito relevante do ponto de vista da autorregulação dos jornalistas e profissionais dos média, a função do ‘ombudsman’ tem sido vista como uma atividade de eficácia duvidosa e de impacto modesto, uma atividade frágil por nela se refletirem várias adversidades: 1) a crise económica que afeta os meios de comunicação em geral; 2) o facto de os jornalistas, de um modo geral, não apreciarem ser questionados pelas suas práticas; 3) o fraco envolvimento dos próprios públicos que, ou desconhecem o papel do provedor ou se dispensam da atividade crítica; 4) a descrença numa atividade que se confunde ainda com uma estratégia de marketing.
É neste quadro um sinal muito positivo o investimento feito agora pelo jornal Público no reatamento do cargo de Provedor dos Leitores. E uma escolha muito consistente a indicação de José Paquete de Oliveira para o lugar, não apenas pelo seu passado profissional como colaborador de vários órgãos da imprensa, mas também pelas suas preocupações académicas e pela experiência no cargo de Provedor do Telespetador que estreou em 2006.
A questão tem sido debatida, aqui e ali. Devem os jornais moderar os comentários dos leitores nas suas edições online? O Diário de Notícias, por exemplo, escusou-se e coloca apenas um aviso a leitores mais incautos sobre conteúdos eventualmente ofensivos. Mas esta é uma opção que poderá ter custos a prazo. O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos considerou que os media digitais são responsáveis pelos comentários dos seus leitores, porque acima da liberdade de expressão está o direito à honra de um terceiro.
Falta agora saber as consequências desta decisão para o resto do mundo digital, nomeadamente blogues e páginas de facebook. Serão os responsáveis por espaços de conversação social também responsabilizáveis pelos comentários lá postados?
Na sequência de anos de investigação detalhada, complementada por uma atividade de abertura a contributos externos através de um blog, Sérgio Denicoli, membro desta equipa, defendeu com mérito a sua tese de Doutoramento sobre a implantação da TDT em Portugal.
O que ali descreve em detalhe mostra-nos que o regulador, a Anacom, se comportou como um organismo capturado pela PT, algo que a organização Transparency Internacional diz ser ‘uma prática de corrupção’.
Sérgio Denicoli disse isto na apresentação do seu trabalho e disse isto aos jornalistas que o abordaram.
Foi, de imediato, ameaçado com processos judiciais pela PT (em primeiro lugar) e pela Anacom (em segundo). Foi ainda (em terceiro) alvo de uma absolutamente inédita declaração do presidente formal do júri que o aprovou por unanimidade como Doutor em Ciências da Comunicação .
Esta sucessão de eventos mereceu já reações várias.
Neste blog – que se solidariza por inteiro com o Sérgio Denicoli – deixamos um texto assinado esta noite pelo Manuel Pinto num outro espaço, justificando o apelo a uma mobilização mais ampla contra as tentativas de condicionamento da investigação académica.
“Apoio esta petição porque entendo não ser aceitável condicionar a investigação a não ser ao rigor do método científico e à verdade permanente procurada.
Porque entendo que os cientistas (e poderia dizer também os jornalistas e outros profissionais que contribuem para o conhecimento do mundo em que vivemos) não se podem alhear dos problemas dos seus concidadãos.
Porque hoje os investigadores, ainda que fazendo trabalho autónomo e original, como é suposto num doutoramento, trabalham em equipas e os resultados alcançados devem ser assumidos pelas equipas, pelos centros de investigação e pelas instituições de que esses centros fazem parte.
Integrei o júri do Sergio Denicoli, li com atenção o trabalho que apresentou e achei-o teorica e metodologicamente bem fundamentado e com resultados que são relevantes para compreender o que se tem passado no país relativamente à TDT, custe a quem custar, e até mesmo para equacionar o que se poderá fazer no futuro [Deste ponto de vista, julgo que a RTP também não sai bem do estudo que originou esta polémica, ainda que seja por omissão].
A verdade é que do estudo intenso e da participação activa nos debates, Sérgio Denicoli, que veio para Portugal estudar, tendo no Brasil uma carreira jornalística promissora na Globo, é hoje um dos poucos especialistas sobre a televisão digital terrestre em Portugal, do ponto de vista das políticas públicas.
Assim, ele veio do Brasil, fez entre nós o mestrado e o doutoramento, teve uma bolsa da FCT e devolveu ao país tanto ou mais do que aquilo que o país lhe deu. O Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho só pode estar-lhe grato pelos territórios novos que abriu no seu seio, visível nos artigos e livros de que é autor.
Mas este não é só um caso individual: mal iríamos se os investigadores começassem a medir as consequências e os riscos de eventuais choques com poderes instalados, quando definem as suas problemáticas de pesquisa. A auto-censura como forma de antecipar a censura e a perseguição posteriores seria uma ruína para a ciência, para a academia e para o país. Por isso é preciso assinar esta petição e convidar outros cidadãos a fazê-lo também.”
O conselho de Opinião da RTP confirmou ontem o nome de Paula Cordeiro para suceder a Mário Figueiredo no cargo de Provedor do Ouvinte. Com 11 votos a favor, nove conta e duas abstenções, a função de provedor da rádio fica assim entregue à primeira investigadora portuguesa com doutoramento em estudos radiofónicos.
Num texto que estará disponívelpublicado esta tarde (link a indicar), Manuel Pinto diz, a propósito do ‘caso Relvas’, que importa não desligar nenhum dos incidentes da circunstância de tudo acontecer num momento de enorme fragilidade dos média nacionais:
“É cada vez mais urgente tornar o universo dos média – a quem cabe representar os diferentes campos sociais – muito mais transparente do que tem sido. Quem possui o quê; quem quer comprar e quem quer vender; que interesses representam os agentes que protagonizam as operações de que se vai sabendo de forma fragmentária e muito incompleta. Se o jornalismo não virar as atenções para os bastidores do campo mediático, perdemos todos, incluindo o próprio jornalismo.”
Em tempos assim, em que a sustentabilidade dos grupos, das empresas, dos negócios, está na corda bamba e se joga todos os dias, em cada decisão, o espaço para a eventual supremacia de critérios editoriais estreita-se. Os jornalistas são exatamente os mesmos mas a sua margem de manobra (editorial mas também pessoal) ganha contornos menos exatos e, sobretudo, menos estáveis.
O ‘caso Relvas’ levanta a tampa que cobre um território muito pouco saudável onde se cruzam influências de grandes grupos económicos, de políticos com poder executivo, de entidades policiais do Estado e de organizações semi-secretas. Os jornalistas aproximam-se a estes universos em posição muito pouco sólida – podem ver o seu trabalho rejeitado por responsáveis editoriais que têm ainda mais a perder do que eles, podem dar-se conta de que são espiados pelo Estado em favor de interesses privados e podem, finalmente, ser ameaçados diretamente por um ministro sem que isso redunde no apoio imediato, inequívoco e vocal das empresas para quem trabalham.
Mas, como bem diz ainda o Manuel Pinto, a política não é o único espaço em que se percebe esta pouco saudável fragilidade da profissão; é cada vez mais fácil detetar, sobretudo na televisão e na imprensa, trabalhos que em tempos seriam claramente identificados como conteúdos publicitários (a Publireportagem) e que agora adotam uma natureza mais híbrida e mais complexa – servindo, porventura, melhor o interesse da auto-justificação mas acrescentando deliberadamente ruído a uma relação com os consumidores de média.
Exemplos recentes – a presença desmedida do Rock in Rio nos blocos informativos da SIC e este caso de uma atividade comercial que aparece publicitada no site do JN e que encontra cobertura jornalística na Notícias Magazine do passado fim de semana (e correspondente destaque na primeira página da edição de domingo).
O jornalismo nacional vive, por estes dias, num espartilho que está longe de garantir aos profissionais o espaço de liberdade que a Constituição lhes reconhece para, no interesse de todos, tornar mais transparente e partilhada a vida pública. Amarfanhá-lo em teias de influências ou em práticas de natureza pouco clara pode, a curto prazo, servir os propósitos de alguns mas descola, de vez, o jornalismo da sua principal razão de ser.
O fim da televisão analógica é hoje assinalado com o desligar dos últimos 15 emissores. A autoridade que regula as telecomunicações, a Anacom, diz ter-se tratado de uma transição sem problemas, sendo que, nesta altura, quem se atrasou na mudança agiu com total conhecimento das consequências.
Muito podia ser escrito sobre esta atitude ‘se quiserem comam, se não quiserem ponham na borda’ de uma entidade pública que tem por missão assegurar a defesa dos interesses dos cidadãos mas este post surge por uma outra razão – o jornalismo que se faz (e fez) sobre este assunto de vital importância (sobretudo) para os mais frágeis na sociedade foi, salvo honrosas exceções (e importará aqui salientar o trabalho desenvolvido por alguns profissionais na RTP – Porto), de muito má qualidade.
Foi um jornalismo ‘repetidor’, um jornalismo ‘pé de microfone’, um jornalismo que semanalmente deu conta do ‘sucesso’ de uma transição cheia de problemas, porque pouco mais fez do que transcrever (sim, transcrever, em muitos casos, na íntegra) o que era dito pela Anacom nos seus comunicados.
Este jornalismo acomodado, este jornalismo ‘não me chateiem que eu já tenho problemas que cheguem’, que se percebe na notícia difundida esta manhã pela Lusa, descurou a complexidade social do assunto.
É um jornalismo pobre, descuidado e desinteressado.
Não nos serviu, enquanto comunidade.
No portal informativo do SAPO (propriedade da PT) temos esta manhã em destaque a notícia da Lusa (agregada na área temática ‘Tecnologia e Ciência’ e com base nas declarações da Anacom) mesmo ao lado de um anúncio da Meo (propriedade da PT) que nos avisa: ‘Prepare-se para a TDT‘. Se lá fizermos o clique vamos para uma página nova com as ‘soluções PT’.
Um leitor pouco atento podia até ser levado a pensar que o ‘problema’ TDT se resolve com a ajuda amiga da PT.
E, provavelmente, esse leitor desatento estará mais próximo da verdade do que imagina.
O ‘problema’ TDT ‘resolveu-se’ com a conivência dos operadores de televisão, com a anuência de dois governos, com a ‘certificação técnica’ da Anacom, com o desinteresse de um jornalismo tendencialmente amorfo e para benefício das atividades de TV por cabo.
Nâo ficou ninguém de fora, pois não?
Analisar o presente e o futuro do jornalismo nas sociedades contemporâneas é o propósito essencial de um debate que terá lugar no próximo dia 17 de Abril (terça-feira), às 14h30, no Auditório do Instituto de Educação (IE) da Universidade do Minho (UM), em Braga.
Subordinado ao tema “Como dar sentido ao Jornalismo?”, o debate procura juntar jornalistas, investigadores, docentes e estudantes de jornalismo, bem como cidadãos interessados, qualquer que seja a sua proveniência. A iniciativa, semelhante a outras que se têm realizado em diversas universidades do país, culminará com a elaboração de uma Carta de Princípios do Jornalismo em Portugal, assente nos diferentes contributos e reflexões recolhidos.
O debate na Universidade do Minho / Braga decorre no âmbito das jornadas anuais do Grupo de Alunos de Ciências da Comunicação (GACCUM) e contará com as participações de Adelino Gomes (jornalista), Gustavo Cardoso (investigador), Carlos Daniel (jornalista), Isabel Margarida Duarte (professora universitária) e João Gonçalves (estudante de jornalismo), além de docentes de Jornalismo da própria UM – Joaquim Fidalgo, Luís António Santos e Manuel Pinto.
Esta realização inscreve-se num projecto mais vasto, intitulado “Projecto Jornalismo e Sociedade” (PJS), lançado por uma equipa de investigação do CIES-IUL – Centro de Investigação e Estudos de Sociologia do ISCTE-IUL, Instituto Universitário de Lisboa, e que conta com os apoios das Fundações Gulbenkian, EDP e FLAD. Coordenado por Gustavo Cardoso (presidente do Obercom) e Adelino Gomes (jornalista), o projecto congrega, no seu Conselho Consultivo, representantes das principais universidades portuguesas onde se ensina Jornalismo e dos mais relevantes órgãos de Comunicação Social nacionais.
O Diário de Notícias decidiu, por estes dias, passar a sinalizar todas as caixas de comentários com a seguinte advertência: “Conteúdo eventualmente ofensivo“. Na mesma nota, diz-se que “as opiniões, informações, argumentações e linguagem utilizadas pelos comentadores desse espaço não refletem, de algum modo, a linha editorial ou o trabalho jornalístico do Diário de Notícias” e esclarece-se que os textos “podem, por vezes, ter um conteúdo susceptível de ferir o código moral ou ético de alguns leitores“, pelo que “o Diário de Notícias não recomenda a sua leitura a menores ou a pessoas mais sensíveis.”
No espaço semanal de comentário que tem na SIC-Notícias, Pacheco Pereira disse que se tratava de uma postura hipócrita. Concordo. É mau demais não gerir (por opção ou por limitação de meios) os comentários mas é bem pior assumir relativamente ao delicado assunto uma postura declarada de rendição. O DN desistiu sem sequer ter tentado.
O problema que está na origem de tão bizarra atitude não é novo e não é apenas nacional. As soluções encontradas pelas empresas são muito diversas mas para algumas a guerra está longe de estar perdida.
Como explica o Provedor do Leitor do Washington Post, Patrick B. Pexton, (sim, o jornal que está a crescer substancialmente na web às cavalitas da opção errada do NYTimes) a empresa precisa de continuar a dar atenção (com moderação sensata, diz) aos espaços de comentários:
“I think that in the messiness lies virtue. Online commenting boards are an online speaker’s corner and free-speech release valve.They’re also a real-time correction and information-gathering mechanism.”
A ver se nos entendemos: falar uma mesma língua significa, mais que partilhar um idioma, estar em perfeita sintonia cultural.
A recente acusação de racismo de um anúncio do azeite Gallo no Brasil, despoletada por uma colunista da Folha de São Paulo e que deverá vir a ser avaliada pelo organismo de auto-regulação da publicidade do Brasil (CONAR), chama a atenção para um facto que é muitas vezes esquecido num mundo globalizado onde todos podemos e devemos falar uma mesma língua.
A ver se nos entendemos: falar uma mesma língua significa, mais que partilhar um idioma, estar em perfeita sintonia cultural com o local e o momento. Falar uma mesma língua implica ter sensibilidade para as idiossincrasias do meio ambiente comunicacional, seja ele institucional ou pessoal, implique ele um cidadão ou um país inteiro. Falar uma mesma língua é antes de mais nada respeitar e compreender o outro.
O que aconteceu com o Gallo brasileiro, criado pela AlmapBBDO, uma das mais premiadas dos últimos anos, é uma infelicidade comunicacional. É a prova de que o humor é uma arma poderosa mas difícil de manusear, que quando usada sem bom senso provoca danos colaterais e, no mínimo, um sorriso amarelo numa marca que nos habituou, pelo menos desde 1989, a alguns dos mais belos spots publicitários da portugalidadeanunciando, mais do que um azeite premiado, a nossa própria alma.
A Gallo é líder em Portugal, com 30% da quota do mercado, é a quinta maior marca mundial e vende para 47 países. Recentemente fez um restyling da sua imagem para estar mais perto dos consumidores contemporâneos, reinventando a tradição e propõe-se vir a ser a terceira maior marca mundial de azeite.
“Eu gosto muito de ouvir cantar a quem aprendeu, se houvera quem me ensinara quem aprendia era eu.”
Embora me custe, quase me apetecia dizer: ainda bem que o treinador Domingos Paciência decidiu accionar judicialmente quem escreveu e difundiu notícias, baseadas apenas numa “fonte não identificada”, sobre um episódio que ele garante ser falso! E custa-me, mas quase me apetecia continuar: e oxalá o assunto não morra antes de chegar a tribunal mas, pelo contrário, vá até julgamento e permita que tudo se esclareça! Esta história das “fontes não identificadas”, a propósito de tudo e de nada, já não se aguenta e é tempo de tentar pôr alguma ordem na coisa, em nome do respeito pelas pessoas e da credibilidade do jornalismo.
Há um aspecto que me parece da maior importância sublinhar e que parece andar bastante esquecido: o recurso a fontes que não se identificam deve ser um recurso EXCEPCIONAL e não uma prática banal, normal, quase quotidiana. Conceder a uma fonte de informação o estatuto de confidencialidade (sobretudo quando está em causa uma notícia que pode causar dano a terceiros) é uma decisão grave e que merece muitíssima ponderação, não só pela maior fragilidade com que a informação passa a circular, mas sobretudo pelas consequências futuras que daí podem advir. Porquê? Porque a partir do momento em que concede estatuto de confidencialidade a uma fonte, o jornalista passa a assumir ELE PRÓPRIO toda a responsabilidade pela informação que vai divulgar. Se amanhã lhe pedirem que prove o que diz, ele terá de estar em condições de o fazer por ele próprio e terá de assumir esse ónus, pois já não pode repartir com ninguém as explicações e justificativos (género “foi aquele senhor que me disse…”). Dar estatuto de confidencialidade à fonte é prescindir dessa partilha de responsabilidades. Portanto, é bom que o trabalho jornalístico — incluindo confirmação por outras vias, recolha de elementos adicionais de prova (dcumentais ou outros), audição das partes envolvidas e/ou acusadas, etc. — tenha sido feito. E bem feito. Se as coisas correrem mal, mais tarde, não vale vir deitar as culpas para a fonte na qual se confiou cegamente, a ponto de se lhe ter dado esse estatuto excepcional (e valiosíssimo, porque tendencialmente inimputável…) de fonte confidencial. Não vale. É feio.
Poderá retorquir-se: “Mas se a fonte tiver enganado o jornalista?… Não merece ela própria ser denunciada nesse caso?… Não é isso que diz o Código Deontológico dos Jornalistas?…”.
É verdade, o Código Deontológico admite essa possibilidade (ver artigo 6º). Pela minha parte, contudo, considero que é uma possibilidade que deve ser usada asbolutamente em última instância e com carácter excepcionalíssimo, depois de muito investigado o assunto e de recolhido o parecer do Conselho Deontológico do SJ (já aconteceu em Portugal, há uns anos). Em situação normal, mesmo que se venha a descobrir que a fonte enganou o jornalista, isso não lhe dá (ao jornalista) o direito automático de a denunciar, transgredindo assim umas das mais emblemáticas “regras de ouro” da sua ética e deontologia profissional. Ele, jornalista, tem de estar preparado para arcar com as responsabilidades até ao fim… Se não, que não confiasse em absoluto na fonte. Que investigasse mais. Que cruzasse informação. Que questionasse o estatuto de confidencialidade pedido. Se não fez isso e acabou por ser ludibriado, que se auto-critique, que peça desculpa e que aprenda para o futuro. Mas que não caia na tentação de lavar as mãos como Pilatos e mandar as culpas todas para as costas de uma fonte em que decidiu confiar cegamente e a quem deu tempo de antena… Isso não vale. E espero que, salvo circunstâncias da maior gravidade e excepcionalidade, a agência Lusa não o faça. Para bem do jornalismo.
A atualidade do tema é evidente: que lições devem os media tirar do que se passou com o desvendamento de toneladas de documentos classificados de distintos governos pelo Wikileaks e pela divulgação dos esquemas de corrupção e minagem da sociedade democrática que levaram à queda do jornal britânico News of the World?
O assunto vai ser objeto de uma conferência internacional a ter lugar amanhã e depois na sede da UNESCO, em Paris, e pode ser acompanhada em direto pela Internet.
A conferência é organizada pelo World Press Freedom Committee (WPFC), em cooperação com o Sector da Comunicação e Informação da UNESCO e reúne, segundo a informação divulgada, “destacados representantes de meios de comunicação, jornalistas ‘cidadãos’ e profissionais, bem como juristas especializados em media”. O objetivo é “intercambiar opiniões sobre estas questões e discutir as boas práticas no jornalismo profissional tradicional e no jornalismo cidadão na era digital.
Estarão sobre a mesa dos debates temas como a liberdade de expresssão, de informação, a segurança nacional, a privacidade e a ética.Cerca de três dezenas de conferencistas e centena e meia de participantes de diferentes países (não nos pareceu haver participantes portugueses na lista de inscritos) procurarão responder às perguntas seguintes:
Como podem os jornalistas enfrentar a explosão maciça de dados em primera mão disponíveis na Internet?
Deveriam ser reequacionados o papel do jornalista e os seus padrões éticos e profissionais?
Como equacionar a relação entre “jornalismo cidadão” e o profissionalismo jornalístico tradicional?
Quais são os desafios para as leis nacionais e internacionais relacionadas com a privacidade, a segurança nacional, a ordem pública e a liberdade na Internet?
Qual o futuro das relações entre governos e meios de comunicação?
Para seguir a conferência via Internet: AQUI Para consultar o horário e o programa: AQUI
(Créditos da imagem: News of the World/The New York Times)
Após o nosso recente “post” sobre o assunto, um novo episódio, a conversa informal captada pela TVI entre os ministros das finanças português e alemão, fez com que a discussão acerca do uso de câmaras ocultas no jornalismo atravessasse a fronteira ibérica: de Espanha viajou para Portugal, passando agora também pela Alemanha. No entanto, tal como se depreende da nossa anterior análise, apesar de toda a complexidade que algumas destas situações introduzem, não deve confundir-se a câmara-propriamente-oculta com a câmara-aparentemente-oculta.
Acerca da primeira, já antes denunciámos os traços que a tornam um instrumento de controlo absoluto, de tipo divino, do processo de produção do visível, pelo jornalismo, o que implica o escrutínio meticuloso dos critérios que levam ao seu uso, tornando-o, tal como escreve Estrela Serrano no blogue Vai e Vem, um procedimento absolutamente excepcional. É por isso, também, que a interdição decidida pelo Tribunal Constitucional espanhol, significa uma interdição prática, imposta ao próprio jornalismo, de um poder lato de controlo sobre os processos de produção da mensagem jornalística. Ou seja, significa o surgimento de uma restrição normativa à liberdade dos jornalistas, liberdade que, no entanto, só se legitima perante circunstâncias extraordinariamente raras.
Quanto à segunda, não é difícil perceber porque é que, ao analisarmos um processo de ocultação do instrumento de registo usado no procedimento jornalístico, só se deve falar numa câmara-aparentemente-oculta. Há, desde logo, o aspecto prático: não há câmaras ocultas numa sala cheia de câmaras de televisão, e na qual as câmaras de televisão estão autorizadas a trabalhar. O que se oculta, então?
Diríamos que, não havendo câmaras ocultas, o que se pressupõe como não-presença, numa circunstância como esta, é o próprio jornalismo. Na captação de imagens deste tipo de encontros, assume-se um acordo tácito que remete para um híbrido entre o “on-the-record” e o “off-the-record”: às imagens captadas dos momentos prévios a uma reunião que decorrerá à porta fechada, é tacitamente retirado todo o conteúdo jornalístico, ou seja, as imagens serão usadas, mas servirão apenas de ilustração. Assume-se que, no restante, são verdadeiramente silenciosas, ou seja, nada dizem de jornalisticamente relevante. É neste tipo de acordos tácitos, que existem no terreno do não-dito e do não-escrito, que se baseia a captação de imagens destas situações. Pressupõe-se, pois, que tudo o que registam é vazio e está vazio. E é nesse vazio que se situam as conversas supostamente informais que as imagens registaram.
No entanto, e é aí que se ancora o principal argumento usado pela Direcção de Informação da TVI para defender o tratamento e difusão noticiosa da conversa, toda a operação jornalística tem uma natureza pública: visa a produção do visível. Ora, estando os repórteres devidamente identificados e no pleno exercício das suas funções, não se pode assumir uma não-presença do jornalismo: ele pode sempre emergir, a partir do momento em que, detendo o controlo (editorial) do seu processo de produção, encontra aspectos relevantes, que devam ser noticiados. Estamos, pois, mais uma vez, no domínio do controlo do processo de produção. Trata-se de um raciocínio que se aplica, por exemplo, em circunstâncias como esta, a situações tão simples como os cumprimentos e encontros face-a-face entre responsáveis políticos, como sucedeu, recentemente, com as imagens do primeiro-ministro inglês David Cameron e do presidente francês Nicolas Sarkozy na cimeira europeia de Dezembro, cuja interpretação remeteu para o isolamento da posição britânica no seio dos 27.
Na altura, ninguém se queixou de uma câmara oculta…
O jornalismo televisivo espanhol vive dias agitados. Em causa estão dois episódios recentes que, se bem observados, se podem subsumir ao que poderíamos caracterizar como a complexa e controversa relação do jornalismo com o visível, na qual, bem o sabemos, se jogam dos mais decisivos lances da guerra contemporânea das visibilidades. Ora, sendo a televisão o massivo apogeu do veloz visível de superfície que nos intensifica e confina, sendo ela mesma a luz ofuscante e total que o mundo produz de si mesmo, percebe-se o quão problemática se torna toda a análise que tente compreender o visível a partir da sua formulação pelo ecrã televisivo.
Expliquemo-nos, por partes: na sequência de uma reportagem da Televisão Autonómica da Comunidade Valenciana, realizada há alguns anos, sobre a existência de falsos profissionais na área da saúde, o Tribunal Constitucional espanhol veio agora considerar ilegítimo o uso de uma câmara oculta pelos repórteres.
(foto de Cristobal Manuel para El Pais)
A decisão, divulgada segunda-feira, é interpretada em Espanha como a provável condenação definitiva do uso de câmara oculta como método de investigação jornalística. Em causa, entre outros aspectos, estava o direito da queixosa, uma esteticista, à reserva de privacidade no interior do seu espaço de trabalho, que os juízes consideraram ter sido posta em causa quer pelo facto de a sua imagem e som terem sido captados, sem o seu consentimento, para posterior difusão, quer porque a repórter dissimulou a sua identidade, fazendo-se passar por paciente.
Poucos dias antes, outro episódio, em Bruxelas: nos momentos que antecederam o último Conselho Europeu, no final de Janeiro, uma câmara de televisão captou, através do microfone ambiente, um desabafo feito pelo primeiro-ministro do governo de Madrid, Mariano Rajoy, aos homólogos finlandês e holandês. Confessava Rajoy, nesse momento de suposta e informal privacidade, que as “reformas laborais (que Rajoy se prepara para apresentar) vão custar-me uma greve geral”.
O caso irradiou para vários tipos de discussão. Incluindo a dos que acabaram por ver vantagens políticas para o próprio governo de Madrid na disseminação mediática da suposta ‘gaffe’ (pelo que pode significar como momento efectivamente desactivador de uma forte reacção sindical e popular) ficando, pois, por se saber até que ponto estaria de facto oculta, para o primeiro-ministro espanhol, aquela câmara de televisão que captou a conversa de Rajoy com os seus dois interlocutores europeus, ou se, pelo contrário, essa câmara-aparentemente-oculta não estaria já a ser usada em nome de uma táctica de dissimulação do próprio discurso do poder político espanhol (2).
Mesmo assim, não deixou de ser colocado, igualmente, em debate, um jornalismo que se produz de uma posição de suposta ou assumida ocultação, tendo sido lançada a discussão sobre o compromisso tácito de não-uso que as situações ‘off-the-record’ significam. Reconhecendo os diferentes contornos, mas também os pontos de contacto das duas situações, é nesta questão da ocultação do jornalismo e dos processos pelos quais se produz a mensagem jornalística, que pretendemos deter-nos. Em resumo: a questão reside em saber quem controla o que aparece, ou seja, é do controlo do visível que estamos a tratar.
Qual é, então, o problema que um jornalismo tornado anónimo coloca ao visível? Que relações e equilíbrios são instabilizados pela ocultação premeditada ou inadvertida de uma presença jornalística (que o passa a ser, igualmente, no momento em que o jornalismo cauciona o anonimato das fontes de informação, ao tornar-se mero veículo da informação) que, por definição, prefigura e supõe o público, em espaços cujas regras procedimentais pretendem instalar o privado?
O problema é um verdadeiro universo de complexidades. Devemos assumir, por isso, e desde já, toda a incompletude da análise. Essa análise deve envolver, antes de mais, toda a discussão normativa, deontológica e ética do jornalismo (1), ou seja, o debate da parte que lhe cabe no contrato moderno de administração do espaço público, que é parte do contrato que funda a própria modernidade como sistema de mediações representacionais – ou seja, como sistema que se constrói e opera politicamente sobre as lógicas do visível (da representação, da transparência, da publicidade, da visibilidade). Colocamos, por isso, o nosso ponto de vista numa das múltiplas questões que derivam deste debate: o controlo dos processos de produção do visível.
Sob este ponto de vista não restarão dúvidas de que um jornalismo que se faça surgir da ocultação e da anonimização dos seus sujeitos humanos e técnicos de observação, registo e relato, é potencialmente subversivo ao equilíbrio do visível. Porque pode alterar a seu favor, e sem conferir aos sujeitos observados qualquer hipótese de devolução, essa noção de equilíbrio. O caso da câmara oculta é um dos mais evidentemente exemplares: resulta, na verdade, na produção de uma invisível presença de tipo divino, ou seja, de uma omnipresença omnividente que contém sempre os traços inapagáveis de um totalitarismo. Auto ou hetero-dissimulada, a lente da câmara de filmar passa a deter o poder do olhar de Deus: está em toda a parte. Vê tudo, observa tudo, regista tudo. Ganha, assim, uma omnipotência de captura do real que, como em tudo o que é da vigilância divina de homens sobre homens, não pode deixar de implicar a necessidade de um constante escrutínio. Daí toda a panóplia de problemas que coloca, a começar pela recorrente discussão da privacidade à qual se opõe, invariavelmente, o carácter público da operação jornalística, e a desaguar em todas as excrescências morais e éticas que lhes estão associadas. A própria justificação positiva para o uso de uma câmara oculta no processo jornalístico costuma estar, precisamente, ancorada na necessidade de uma moralidade pública que aí se sobrepõe a toda a moralidade privada que a coloca em questão.
Mas quando, há dias, Joaquim Fidalgo discutia aqui o problema das fontes anónimas, era igualmente desta problemática que essa reflexão se ocupava: na anonimização das fontes, joga-se também a transformação da informação em tudo o que aparece. Aí, contudo, o problema do controlo surge-nos, já não de um processo intrínseco à produção da informação, controlado por jornalistas, mas da aceitação e interiorização, pelo processo de produção jornalística do visível, da condição invisível do mensageiro. O jornalismo coloca-se, totalmente, nas mãos deste, aceitando a sua transformação em mero veículo de visibilização.
Tal como avisámos, a questão é extremamente complexa e controversa. Mas vale a pena ser colocada. Voltaremos a ela, muito provavelmente.
(1) A este propósito, aconselha-se a consulta da extensa argumentação e declarações de voto, constantes da deliberação 6-Q/2006 da ERC, a propósito de um caso de uso de câmara oculta na grande reportagem da RTP “Quando a Violência Vai à Escola”).
(2) Um dia depois da publicação original desta reflexão, dar-se-ia caso semelhante com uma conversa, registada pela TVI, entre os ministros português e alemão das Finanças, cuja divulgação o governo germânico viria a considerar “escandalosa” (act 10/02/2012).
Diz-me com quem andas, diz-me o que pesquisas, dir-te-ei quem és. Tudo começou por causa de um artigo em que tropecei por acaso. Ou terá sido pelos desígnios do motor de busca e de toda a cabala de monitorização em que vivemos invisivelmente perscrutados, analisados e manipulados?
O Google nos 200 anos de Charles Dickens
Já não sei o que me levou ao “The web of one”, a teia de cada um é a nova rede de Susana Albuquerque, directora criativa da Lowe Ativism, numa edição já antiga da Marketeer, mas sei o que me levou a fazer depois: investigar o que o meu Google diz de mim.
Quando procuro uma definição de portugueses, as primeiras respostas referem: “Os portugueses sãoo povo ou nação com origem em Portugal, na Península Ibérica ou ilhas (Açores e Madeira), no sudoeste da Europa. O português é a sua língua.” Um artigo da Wikipédia. Bastante científico e equilibrado, certo?Mas depois os resultados da minha pesquisa começam a revelar valores subjectivos atribuidos automaticamente: os portugueses são “demasiado sofisticados”; “pobres, estão desmobilizados mas consideram-se felizes”; “muito generosos”; “românticos e tradicionais”; “preconceituosos”. As fontes indicadas são: ionline, publico, dn, destak, youtube.
Experimentei internacionalizar a pesquisa, declinando a fórmula nas línguas em que pude dar um jeito. As respostas falam por si: Es cierto??? Los españoles son feos???; The English are German, the Welsh are real Britons; Les Français sont aussi stupides que les américains; Gli italiani sono matti; Die Deutschen sind ein Haufen Individualisten…
Isto é: os espanhóis têm problemas de auto-estima, os ingleses são uma fraude, os franceses não são tão bons quanto gostariam de fazer crer, os italianos são loucos e os alemães um bando de individualistas. Bate certo?
O que é que isto dirá de mim? Estará o perfil que o Google define para cada um de nós de acordo coma nossa própria percepção ou necessidades de informação? As prioridades atribuídas correspondem às que nós atribuiríamos se pudéssemos escolher conscientemente?
Lanço-vos o mesmo desafio: pesquisem “os portugueses são” e partilhem aqui os vossos resultados. Ou não… Podem ser inconvenientemente reveladores.
SPENT parece o nome de uma série televisiva do tipo Lost ou Perdidos na Tribo. Embora a experiência nos possa deixar um pouco perdidos, trata-se de um jogo online que simula a sobrevivência com mil dólares por mês, nos Estados Unidos. Fosse em Portugal e esta quantia daria para muito mais, mas cá aplica-se aos novos e velhos pobres, aos assumidos e aos envergonhados, às mais de 31% de famílias, segundo uns, um quinto dos portugueses, segundo outros, que vivem no limiar da pobreza ou abaixo dele.
SPENT faz parte de uma estratégia de comunicação que pretende chamar a atenção, receber donativos e envolver a sociedade e os membros do Congresso norte-americano — a quem também foi lançado o desafio de jogarem — para o que acontece aos milhares de pessoas normais (sim, pessoas como nós) que, subitamente ou num lento e devastador processo de agonia, se tornam dependentes, desempregados, sem-abrigo e desesperados. Desgastados financeira e economicamente, agastados social e emocionalmente.
SPENT coloca-nos o desafio de viver na pele de um recém-desempregado com um filho, que tenta arranjar emprego e chegar ao fim do mês vivo. Pelo caminho há várias situações que simulam a vida real, como ter que alugar uma casa mais barata, escolher entre pagar a conta do gás ou da electricidade, entre explicações para o filho ou pagar o seguro do carro, ou entre aceitar um casaco em segunda mão ou a ajuda da caridade. Mas também somos obrigados a fazer escolhas de carácter moral ou emocional, como entregar ao dono uma nota que este deixou cair ou assumir os estragos de um toque no parque de estacionamento.
Criado a partir da realidade americana por quem sabe do que fala (parece que a criadora, Jenny Nicholson, copywriter, viveu uma vida de privações), patrocinado pela agência de publicidade McKinney e pelos Urban Ministries of Durham, uma organização não governamental privada que se assume como “A community of support united for the greater good of all”, o jogo já foi jogado por mais de um milhão e meio de pessoas em 196 países e revela-se de uma enorme actualidade aqui e agora.
O seu senão é que a abordagem pseudo-lúdica à pobreza pode provocar o que a Technology Review chama “gamification of poverty”, fazendo parecer que esta é uma realidade distante, paralela ou meramente virtual, da qual nos podemos facilmente alhear. Basta não querer ver. Basta não jogar o jogo.
Se ainda não experimentou a sua capacidade de resiliência na vida real, teste-a aqui.