Google Gears: a net sem rede

Imagine-se a seguinte situação: descarrega o seu mail para o computador, ou o feed do seu Reader, vai para o comboio ou o avião ou para uma ilha deserta ou ainda para sua casa, onde não tem acesso á net, e consulta tranquilamente a informação, como se estivesse conectado. É o que acaba de propor a empresa Google, que anuncia a criação de um software – o Google Gears – com essas características. Com uma ligação intermitente à rede, torna-se possível ir actualizando a informação que poderá ser, depois, trabalhada offline.

Comentando esta inovação, escreve Eric Auchard, em artigo na Reuters:

“By bridging the gulf between new Web services and the older world of desktop software, where any data changes are stored locally on users’ machines, Google is pushing the Web into whole new spheres of activity and posing a challenge to rival Microsoft Corp.”

“A realidade é real?”

Kovach.052407.Boston UO título deste post é o de um célebre livro de Paul Watzlavick e lembrei-me dele a propósito do discurso há dias feito pelo jornalista Bill Kovach aos finalistas de jornalismo da Universidade de Boston, intitulado precisamente “Who creates reality?“.

Partindo da afirmação de um conselheiro da Casa Branca, segundo o qual a realidade não é aquela com que no dia a dia contactamos, mas a que certos “actores da história” constroem para nós, Kovach afirma:

“My generation in many ways has been unable to reconcile the conflicts between the reality created for us by history’s actors and the reality in which we actually live”.

Um texto cuja leitura vale a pena.

“Uma lista infindável”

“Poderia fazer uma lista infindável das coisas que não consigo perceber, decerto incomparavelmente maior do que a daquelas que julgo (pelo menos em dias de euforia) que percebo. E ainda ficaria outra, tão grande e absurda como a primeira, de tudo aquilo que ignoro que ignoro. Resta muito pouco. E contudo é com esse pouco que tenho que ver cegamente o mundo (e é provavelmente com esse pouco que o mundo me vê a mim)(…)”.

Manuel António Pina, “O riso e o medo“, in Jornal de Notícias, 31.5.2007 (continuação do texto aqui)

Jornalista aqui, accionista ali?…

Li no Público de ontem (p. 37, texto de Rosa Soares e Natália Faria) e espantei-me. Dizia-se ali que a Assembleia Geral do BCP se passava “longe, muito longe dos jornalistas”… mas não de todos:

Longe, muito longe dos jornalistas. Que foram remetidos a uma sala no piso térreo, a do Telegrapho Commercial (assim mesmo, à antiga). Café e sumo de laranja, para iludir a espera. E as informações que iam chegando via SMS eram mandadas para os on-line a conta-gotas. Quem tentasse galgar as escadas de acesso ao primeiro andar era barrado pelo segurança. A excepção foi o semanário Expresso, cuja edição on-line ia sendo alimentada pelo único jornalista presente na reunião, numa situação tornada possível porque o semanário comprou acções do BCP.

Já não é a primeira vez que ouvimos notícias deste tipo. Será aceitável que um jornalista se ‘transforme’ em accionista de um banco para, nessa qualidade (e já não na de jornalista) ter acesso a uma assembleia fechada à comunicação social e, depois de estar lá dentro, fazer trabalho jornalístico?… Por um lado, fica em causa o princípio de igualdade no acesso à informação: só quem queira, ou possa, comprar acções do banco é que consegue entrar na sala, ficando todos os outros jornalistas cá fora. Por outro lado, parece eticamente reprovável que um jornalista assuma uma outra identidade (sem que motivos graves de interesse público o justifiquem) e, a coberto dela, faça o que, enquanto jornalista, lhe seria negado.

Amanhã, coisa semelhante pode suceder na assembleia de um clube de futebol (e o jornalista faz-se sócio para entrar…) ou na reunião de uma estrutura partidária (e o jornalista faz-se militante…), e assim por diante.

E o problema coloca-se também a dois níveis de irregularidade. Enquanto jornalista,  ele quebra as regras deontológicas a que está obrigado pela sua profissão. Enquanto accionista, ou sócio de clube, ou militante de partido, ele quebra as regras de lealdade devidas aos seus parceiros de reunião, pois entra num espaço privado (e reservado) só com o fito de ouvir e depois vir cá para fora contar a toda a gente o que se passou. É ‘andar em dois carrinhos’, saltando de um volante para o outro conforme dá mais jeito na ocasião…

Entreter com… a dor dos outros

É bizarra, muito bizarra, a ideia do reality-show que uma TV holandesa se prepara para iniciar, “The Big Donor Show”, produzido pela Endemol. A ideia do programa é propor que um doente terminal escolha, durante a emissão de 80 minutos, um de três concorrentes a quem doará os seus rins. Bizarro! É o mínimo que se pode dizer de um programa que procura entreter… com a dor dos outros. Que pretende um programa deste tipo? Comover o público? Promover a generosidade e contribuir para o aumento dos transplantes de órgãos? Cativar audiências? Bizarro e perverso.

Tendências

A ferramenta do Google que permite medir tendências, mediante a contraposição de termos, dá-nos a possibilidade de visualizar alguns indicadores interessantes nos tempos recentes. No caso presente, trata-se de comparar (segundo dois critérios: volume de pesquisas e volume de notícias) o YouTube e os blogs e o wiki e o blog.
Photo Sharing and Video Hosting at Photobucket

Photo Sharing and Video Hosting at Photobucket

Breves

Despejo – A União dos Jornalistas Russos, que tem mais de cem mil membros, e que acolhe, a partir de hoje, em Moscovo, o congresso da Federação Internacional de Jornalistas, está a ser vítima de uma ordem de despejo da sua sede na capital russa. A medida destina-se a conquistar espaço para a estação estatal de TV Russia Today, um canal que emite em inglês.

Encerramento e estatização – A decisão do presidente venezuelano Hugotv-cerrada.jpg Chávez de mandar encerrar o canal de televisão RCTVN, que emitia há 53 anos e era o mais antigo do país, tem provocado inúmeras tomadas de posição, contra e a favor. Um directório de blogues da Venezuela abriu um espaço para esse tema e o Global Voices faz também um apanhado de diferentes pontos de vista.

“Um olhar necessário”

Motivo para comprar e ler o Público de hoje: Um olhar necessário, de Carla Machado, que vem na pág. 41. Lá está o miúdo de Rio Tinto. E ninguém melhor para falar dele do que a própria autora desta coluna do Público. Lendo se percebe porquê. “(…) Demasiado habituados a um país uniforme – observa – estranhamos o que nos arranha a superfície das expectativas. Já não estranhamos o cego nem o aleijado a pedir – desses iludimos a presença, desviando o olhar. Mas ainda olhamos quem fala ou parece diferente, na cor, no aspecto ou no agir.(…)

Regressa o ‘Intima Fracção’

Passados mais de três anos sobre a sua retirada da grelha da TSF, o programa Íntima Fracção volta, dentro de escassos minutos, a uma antena nacional: o ‘novo’ Rádio Clube Português.

Este programa de culto, da autoria de Francisco Amaral, viveu discretamente, durante estes anos, na net (podcast) e na Rádio Universidade de Coimbra.

Podemos agora ouvi-lo semanalmente, nas noites de domingos para segunda, entre a meia-noite e as 2 h.

Mais parra que uva

O já chamado ‘caso Charrua’ estende-se hoje, no Público, por duas páginas. A peça “Caso Charrua causa mal-estar no PS”, que ocupa toda a página 6, tem, porém, uma particularidade: lemo-la de fio a pavio e não encontramos nela o que o título diz.

As partes do texto vagamente ligadas ao título são estas:

A permanência de Margarida Moreira na Direcção Regional de Educação do Norte (DREN) depois do caso Fernando Charrua está a avolumar o mal-estar no PS-Porto. A oposição ao líder federativo, Renato Sampaio, apenas estará à espera da reunião da comissão política, marcada para o dia 4 de Junho, para pedir contas sobre um caso cujos estilhaços atingiram o próprio primeiro-ministro. As dificuldades para o líder do PS-Porto são óbvias: é um apoiante de primeira hora de José Sócrates e foi por ele que passou também a nomeação da actual directora regional. Mas as proporções que o assunto assumiu extravasaram já para a Assembleia da República, pondo em xeque a própria ministra da Educação, que se refugia no facto de o inquérito disciplinar estar ainda a correr para não se pronunciar.

(…) Há quem exija a demissão de Margarida Moreira da DREN, mas o PS não estará interessado em precipitar a queda, dando, assim, argumentos à oposição, que vem clamando contra um clima intimidatório e de perseguição fomentado por medidas do executivo de Sócrates.

Tenho a maior consideração pelos dois jornalistas que assinam o trabalho e sei bem como, frequentemente, quem escreve as peças não é quem faz, em definitivo, os títulos. Não pretendo, por outro lado, negar que possa existir mal-estar no PS sobre este caso. Mas era de esperar do Público que, dando tanto destaque ao assunto, a ponto de o chamar para a primeira página e de lhe conceder a extensão que concede, nos desse mais uva e menos parra.

“A Casa Encantada” de Bénard da Costa

Photo Sharing and Video Hosting at Photobucket

Para mim, uma das razões pelas quais vale a pena comprar o Público ao domingo é a crónica de João Bénard da Costa. Com a de hoje, chegou à nº 200 e já lá vão quase cinco anos de ‘A Casa Encantada’. Motivo de agradecimento a José Manuel Fernandes, que o convidou a escrever no jornal e, evidentemente, ao próprio cronista, em quem a idade não significa velhice, mas sabedoria.

Hoje, além do motivo da ‘celebração’ das 200 crónicas e da sua já extensa trajectória de cronista de Imprensa (34 anos repartidos pelo Expresso, Diario de Notícias, O Independente e Público), o autor discorre à volta das versões da caixa de Pandora (“uma das mil formas de encantar a casa que supostamente me encantou”, diz Benard da Costa).

Menino de Rio Tinto continua sem ir à escola

Hoje os jornais (“Público” e “Expresso”) falam novamente do menino que mora em Rio Tinto e que não pode ir à escola porque os colegas o agridem física e psicologicamente. Esse menino, de 12 anos, teve um cancro e fez vários tratamentos de quimioterapia e radioterapia. No artigo da jornalista Ana Cristina Pereira, do “Público”,refere-se que a Associação de Pais da escola em causa está revoltada com a mediatização do caso (com os artigos de jornais e com os comentários na blogosfera), considerando-a “redutora, porque o foco de atenção está numa criança”, sem “preocupação” com eventuais efeitos sobre os outros alunos; “simplista, porque existe uma análise de pessoas externas a esta comunidade que tentam penalizar as outras crianças”. Esta semana, a Direcção Regional de Educação do Norte interveio, propondo o envio de professores a casa de Miguel até ao final do ano lectivo,uma medida que a Associação de Pais também critica.
Talvez este menino não tenha os olhos expressivos de Maddie, nem os seus pais possuam as aptidões comunicativas do casal McCann. Talvez a situação exija dos jornalistas um tacto especial na protecção desta lutadora criança. Mas enquanto não se perceber que a educação para a inclusão faz parte do crescimento equilibrado das nossas crianças e que todos nós temos a obrigação de a promover, os media devem continuar a pontuar a sua agenda com casos inacreditáveis como este drama que vive actualmente o corajoso menino de Rio Tinto.

 

Lembrar, sim, mas também esquecer

Sugiro a leitura de um artigo de Viktor Mayer-Schönberger – Useful Void: The Art of Forgetting in the Age of Ubiquitous Computing, da John F. Kennedy School of Government da Universidade de Harvard. Fica aqui o resumo:

As humans we have the capacity to remember – and to forget. For millennia remembering was hard, and forgetting easy. By default, we would forget. Digital technology has inverted this. Today, with affordable storage, effortless retrieval and global access remembering has become the default, for us individuallyPhoto Sharing and Video Hosting at Photobucket and for society as a whole. We store our digital photos irrespective of whether they are good or not – because even choosing which to throw away is too time-consuming, and keep different versions of the documents we work on, just in case we ever need to go back to an earlier one. Google saves every search query, and millions of video surveillance cameras retain our movements. In this article I analyze this shift and link it to technological innovation and information economics. Then I suggest why we may want to worry about the shift, and call for what I term data ecology. In contrast to others I do not call for comprehensive new laws or constitutional adjudication. Instead I propose a simple rule that reinstates the default of forgetting our societies have experienced for millennia, and I show how a combination of law and technology can achieve this shift.

Vale a pena ler, a este propósito, o post e respectivos comentários do Imezzo (onde encontrei a referência ao texto acima): Memória e informação: a arte de gerar, organizar, lembrar, salvar, recuperar, apagar… ou deixar pra lá.

ACT (27.05): Vem a propósito do tema deste post a conferência que Jeffrey A. Barash, da Universidade de Picardie -Jules Verne, prefere terça-feira, às 11 horas, no Auditótio de Engenharia II, junto ao Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Minho, em Braga. Tema: «QU’EST-CE QUE LA MÉMOIRE COLLECTIVE». A iniciativa é da Comissão do de Curso de História e a entrada é livre.

Do regime dos factos ao regime das emoções

A pretexto do post anterior, vale a pena recordar o terceiro seminário de Doutoramento em Estudos Jornalísticos que ontem se realizou na Universidade do Minho. Sob o signo da “sentimentalização das sociedades” ou da “mundialização dos afectos” (expressões caras a José Augusto Mourão), discutiu-se particularmente neste seminário a propensão dos media para reportar emoções, sobretudo quando parece não haver factos propriamente ditos. Recordaram-se a propósito vários acontecimentos em que os media insistentemente fizeram notícia com a dor (a queda da ponte de Entre-os-Rios, os atentados terroristas do novo milénio, o desaparecimento de Madeleine, inevitavelmente…). Sendo talvez certa a proposição de Mario Perniola segundo a qual vivemos hoje numa sociedade mais de índole sensológica do que ideológica, algumas interrogações são, no entanto, persisitentes:

– Até onde pode o jornalismo ir quando reporta a dor dos outros?
– Se calhar é de espectáculo que o público gosta, mas não será também por isso mesmo que o público rapidamente se cansa?
– Que matéria informativa contêm as emoções?
– Que relação tem este interesse jornalístico pelas emoções com o eventual reconhecimento de que o sensorial também é fonte de conhecimento?
– …
Abrimos o espaço a outras interrogações dos leitores deste blogue.

‘Mea culpa’ agora… sobre o caso Madeleine

Depois do argumento “mesmo sem haver novidade, tem de haver notícia”, Fernanda Câncio introduz, no Diário de Notícias de hoje, vários outros argumentos para discussão sobre a cobertura mediática do desaparecimento de Madeleine, no Algarve: “nós fazemos, mas os outros também fazem; se nós não fizermos, haverá quem faça; e havendo quem faça, nós temos de fazer. Porque os media são um negócio”. E alude àquilo que perspicazmente chama “mecanismo”: primeiro faz-se, de forma escancarada e ad nauseam, o contrário do jornalismo, como aconteceu com a queda da ponte de Entre-os-Rios ou com o caso Casa Pia, e depois faz-se mea culpa.

A jornalista toca, depois, num ponto que é evidentemente fulcral: a necessidade  vital de termos um “público exigente”. Só que ele não nasce de geração espontânea nem “pega de estaca”. E nesse processo é aos próprios media que também cabe um papel, queiram ou não assumi-lo.

De qualquer modo, creio que esta vertigem louca e desenfreada que se apodera dos media em ocasiões assim pode salvar o “negócio”, mas desacredita o jornalismo e é, a prazo, contrária aos interesses dos media. Pelo menos daqueles  – e creio que os há – para quem o jornalismo é mais do que um produto para encher os olhos e a barriga dos velhos e novos proletários.

“É quando o jornalismo está a morrer que precisamos dos jornalistas”, observa Fernanda Câncio. E eu subscrevo.