Li no Público de ontem (p. 37, texto de Rosa Soares e Natália Faria) e espantei-me. Dizia-se ali que a Assembleia Geral do BCP se passava “longe, muito longe dos jornalistas”… mas não de todos:
Longe, muito longe dos jornalistas. Que foram remetidos a uma sala no piso térreo, a do Telegrapho Commercial (assim mesmo, à antiga). Café e sumo de laranja, para iludir a espera. E as informações que iam chegando via SMS eram mandadas para os on-line a conta-gotas. Quem tentasse galgar as escadas de acesso ao primeiro andar era barrado pelo segurança. A excepção foi o semanário Expresso, cuja edição on-line ia sendo alimentada pelo único jornalista presente na reunião, numa situação tornada possível porque o semanário comprou acções do BCP.
Já não é a primeira vez que ouvimos notícias deste tipo. Será aceitável que um jornalista se ‘transforme’ em accionista de um banco para, nessa qualidade (e já não na de jornalista) ter acesso a uma assembleia fechada à comunicação social e, depois de estar lá dentro, fazer trabalho jornalístico?… Por um lado, fica em causa o princípio de igualdade no acesso à informação: só quem queira, ou possa, comprar acções do banco é que consegue entrar na sala, ficando todos os outros jornalistas cá fora. Por outro lado, parece eticamente reprovável que um jornalista assuma uma outra identidade (sem que motivos graves de interesse público o justifiquem) e, a coberto dela, faça o que, enquanto jornalista, lhe seria negado.
Amanhã, coisa semelhante pode suceder na assembleia de um clube de futebol (e o jornalista faz-se sócio para entrar…) ou na reunião de uma estrutura partidária (e o jornalista faz-se militante…), e assim por diante.
E o problema coloca-se também a dois níveis de irregularidade. Enquanto jornalista, ele quebra as regras deontológicas a que está obrigado pela sua profissão. Enquanto accionista, ou sócio de clube, ou militante de partido, ele quebra as regras de lealdade devidas aos seus parceiros de reunião, pois entra num espaço privado (e reservado) só com o fito de ouvir e depois vir cá para fora contar a toda a gente o que se passou. É ‘andar em dois carrinhos’, saltando de um volante para o outro conforme dá mais jeito na ocasião…
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