“Aqui, no meio de nós”

Naquele que será o seu último contributo do ano na publicação Página 1 (Rádio Renascença), Manuel Pinto chama a nossa atenção para sinais que talvez deixemos passar, de tão preocupados que andamos com a ‘espuma dos dias’ (por exemplo, por ora, ocupamo-nos longamente do ‘caso Artur Baptista’).

Vale mesmo a pena ler todo o texto e, por isso, com a devida vénia à RR, aqui o replicamos:

Nos tempos que correm, tendemos a ver mais “o estado a que isto chegou” do que aquilo que prenuncia a saída e a superação. Também assim nos media, que noticiam e matraqueiam as dores, golpes e desgraças. Mas é neles, por eles e sobre eles que, com um pouco de atenção, detectamos também aquela “petite lumière”, a “pequenina luz bruxuleante” a que aludiu Jorge de Sena.
Dois sinais recentíssimos dessa luz que não se apaga. O primeiro foi a apresentação, no início do mês, de uma Carta de Princípios do Jornalismo na Era da Internet. É verdade: princípios são intenções e não práticas. Talvez por isso os meios de comunicação social não lhe tenham prestado demasiada atenção. E, contudo, valia a pena contar como nasceu e floresceu a ideia, coordenada por Gustavo Cardoso e Adelino Gomes e, sobretudo, dar a conhecer o teor da Carta (ler o texto AQUI). Nos tempos que correm, falar de ética e, mais ainda, ser ético já exige coragem.
O segundo sinal de esperança acaba de ser dado pelo director do jornal económico Negócios, Pedro Santos Guerreiro. O grupo Newshold anunciou a intenção de concorrer à aquisição da RTP ou da sua gestão, caso o Governo decida nesse sentido. Apesar das diligências várias, parece que ninguém sabe quem é, afinal, esse grupo que pretende gerir o serviço público de televisão. E aquilo que se sabe – com Relvas à mistura – não é nada tranquilizador. Dá-se o caso de a Newshold já deter, comprados no último ano em Bolsa, 15% do capital da Cofina, grupo português que controla o Negócios. Pedro Guerreiro escreveu há dias, em editorial: “O meu pensamento é este: “A Newshold, como a (des)conhecemos, não pode controlar a RTP. Se um dia controlar a Cofina, o meu destino está traçado. Traçado por mim: obviamente, demito-me”.
Nos tempos que correm, já não estamos habituados a esta clareza e frontalidade em questões de valores e princípios. Este segundo sinal é, na verdade, a prova da importância do primeiro.
Como tudo na vida, não há perfeição. Mas estes gestos trazem um suplemento de vida e de esperança de que muito andamos precisados:

“(…) Uma pequenina luz bruxuleante e muda
como a exactidão como a firmeza
como a justiça.
Apenas como elas.
Mas brilha.
Não na distância. Aqui
no meio de nós.
Brilha”.
(Jorge de Sena)

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(imagem retirada daqui)

 

O que vamos agora ouvir sobre o Concórdia?

Quando, há anos, trabalhei em Inglaterra, dizia-se que um acontecimento só era mesmo ‘um acontecimento’ quando chegavam ao terreno os ‘grandes artistas’ (do jornalismo): Kate Adie, John Simpson, Misha Glenny, George Alagiah, Ben Brown ou o inesquecível Martin Bell (para citar apenas alguns).
É, naturalmente, um exagero, mas o certo é que esta perceção não era partilhada apenas pelos restantes jornalistas, mas também pelas audiências que se sentiam identificadas com aquelas pessoas de forma muito particular.
Não estando escrito em lado algum, este ‘sub-texto’ fazia parte do visível (para usar uma expressão do Luís Miguel Loureiro); as regras pareciam ser conhecidas de todos e o espaço era gerido por uma dose substancial de previsibilidade.
Há ‘grandes artistas’ em todas as áreas (não apenas na Comunicação) mas há para muitos deles o resguardo da menor visibilidade; são conhecidos na comunidade de interesses partilhados mas a sua presença não é sentida por audiências mais vastas.
Acontece isso, de alguma forma, com a Burson-Marsteller, a empresa que no passado domingo à noite aceitou gerir a comunicação de crise da proprietária do navio de cruzeiro, Costa Concórdia.
Especializada precisamente em comunicação de crise, a BM tem no seu portefolio trabalho com a indústria tabaqueira, com a Exxon (depois do acidente com o Exxon Valdez), com a Union Carbide (depois do acidente de Bhopal), com a Babcock and Wilcox (depois do acidente nuclear em Three Mile Island), com os governos do Egito, Argentina e Roménia (todos em períodos de regime autoritário) e ainda com o governo da Indonésia (na sequência do massacre do cemitério de Santa Cruz, em Timor-Leste).
Será, por isso, interessante prestar atenção à informação a que vamos ter acesso, de agora em diante, sobre o caso do Costa Concórdia.
O que vais ser dito e, sobretudo, o que ficará por dizer.
Está em campo não apenas ‘um grande artista’; A BM está para os ‘grandes artistas’ como o Sinatra estará para os ‘cantores famosos’ .

(Foto com permissões CC, retirada do espaço Flickr ‘Il Fatto Quotidiano‘)

Afinal o “24 Horas” não acabou…

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Disseram-nos há um ror de meses que o jornal 24 Horas tinha acabado. Até nos mostraram uma última primeira página bastante curiosa: o jornal acabava mas era o maior na denúncia e na capacidade de “contar tudo”…

Afinal, parece que não acabou. Ou então assumiu uma nova identidade, lá longe, junto da diáspora portuguesa. Pode ver-se aqui e aqui como o 24 Horas, com o mesmo logotipo e tudo, continua a existir e a constituir um autêntico “vício diário”. Mais: é, aparentemente, o único jornal diário de língua portuguesa publicado no estrangeiro, com distribuição em diversos estados dos EUA.

Mas o que é engraçado é que ele é igualzinho, igualzinho, ao ‘nosso’ Correio da ManhãNa imagem ao lado apresentamos exemplos de umas primeiras páginas recentes só para comparar. Mas é todos os dias assim, embora com algumas diferenças editoriais em páginas interiores.

Mais uma notícia à atenção do ministro Álvaro: às tantas, o Correio da Manhã também decidiu começar a ‘franchisar-se’ lá por fora e nós é que não sabíamos… Bem vistas as coisas, os pastéis de nata não são o único produto sólido e prestigiado que temos para exportar!