Deverá estar amanhã nas bancas a segunda edição da revista do Expresso depois da sua mais recente mudança.
Correndo o risco de falar ainda ‘a quente’ diria que – a julgar pelo exemplar a que tivemos acesso na semana passada – estamos em presença de um produto informativo cuja razão de ser está cada vez mais distante do jornalismo e cada vez mais próxima dos universos da comunicação institucional e da publicidade.
É fácil perceber porque isto sucede – o mercado publicitário está em quebra e o grupo Impresa vive também momentos de fragilidade. A solução passa, aparentemente, por reformular um produto com preços de tabela altos (em termos nacionais) por forma a apelar a mais anunciantes, no maior número possível de segmentos. Sendo um produto-associado, a revista procura deliberadamente terrenos publicitários para além daqueles abrangidos pelos cadernos principal e de economia e ‘joga’ nos anunciantes que querem chegar a um público interessado numa versão upmarket da Caras.
Uma observação muito rápida do que nos foi oferecido permite anotar a presença de seis textos de opinião, cinco segmentos com algo que poderia ser designado como notas breves, outros cinco com citações / excertos / inquéritos, dois trabalhos de perfil, uma pré-publicação de um livro, três entrevistas (sendo que uma delas é com um famoso ator de cinema, sobre um filme que, páginas antes, aparece publicitado), dois (se adotarmos um entendimento lato do género) espaços de reportagem – um em que se promete ter um ‘intruso’ (anónimo) em festas, vernissages e happenings e um outro em que se leva alguém (famoso, presume-se) a uma passeata e disso se dá conta – e pelo menos sete áreas autónomas de divulgação e sugestão de produtos (desde os vinhos, às roupas em saldo, à dança de varão).
No video de apresentação da nova aposta do Expresso a editora, Mafalda Anjos, prometia, de facto, “mais energia positiva, mais otimismo“, num “produto mais leve” em que se notaria um “reforço de toda a componente de serviços“.
Há, neste exemplo, indicações que podem ser úteis para discutir o atual estado da imprensa em Portugal:
– A relação – sempre sensível e instável – entre os interesses jornalísticos e os interesses das áreas ligadas ao marketing e à publicidade na empresa é tendencialmente menos de equilíbrio e mais de subjugação;
– A importação para o papel de lógicas de organização dos temas, do espaço gráfico e da própria escrita da internet – não estando ainda provado em lado algum do planeta que tenham funcionado – acrescenta complexidade e arrisca-se a tornar o produto físico ainda mais redundante;
– As opções estratégicas parecem basear-se nas ideias que, noutros mercados e há já mais tempo, levaram muitas publicações a um definhamento agoniante; dá-se às audiências cada vez menos – levezinho, fresquinho, ‘micro-formatos’, como diz a editora – presumindo que isso aumenta os níveis de fidelidade (lembra a história do burro que estava quase, quase a habituar-se a não comer…);
– As opções estratégicas parecem estar ancoradas na ideia de que, no essencial, o jornalismo é aborrecido; conseguimos tolerá-lo mas em doses reduzidas, tão depuradas, tão estilizadas, tão bem paginadas que se confundem facilmente com a ‘energia positiva’.
O Expresso não é – longe disso – caso único, mas sinaliza o domínio absoluto de uma tendência de gestão muito limitada e sem horizontes que está a marcar, de forma decisiva, o jornalismo nacional.
Dir-se-á, com razão, “quando até o Expresso”…
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