A edição deste domingo (29/1/12) do PÚBLICO traz-nos dois exemplos muito interessantes – um de jornalismo no seu pior e outro de jornalismo no seu melhor. O curioso é que, em minha opinião, o jornalismo “no seu pior” é da autoria de uma (re)conhecida jornalista e o jornalismo “no seu melhor” é da autoria de três jovens, cidadãos portugueses empenhados na vida colectiva, autores de um singelo blogue.
A peça jornalística assinada por São José Almeida, e que deu a manchete ao PÚBLICO (“Cavaquistas defendem saída de Vítor Gaspar do Governo“) é, em meu entender, jornalismo “no seu pior”, embora assinado por uma jornalista reputada (e por quem, aliás, há muitos anos tenho enorme consideração). Mas a verdade é que se trata, como já foi notado pela perspicaz Estrela Serrano no seu Vai e Vem, de uma óbvia consequência da operação de contra-ataque feita pelos “homens do presidente”, no final da semana “horribilis” de Cavaco Silva. É “spin” no seu melhor (como já na véspera se tinha visto no Expresso…), procurando fazer de Cavaco o bonzinho, preocupado com os pobres, os pensionistas e a classe média, contra os mauzões ultra-liberais do Governo de Passos Coelho. E a jornalista do PÚBLICO farta-se de explicar essa tese, sem NUNCA adiantar o nome de uma fonte sequer, sem NUNCA nos dizer quem são esses tais cavaquistas que pensam isso que diz que pensam, sem NUNCA se dignar identificar qualquer um dos autores de tais opiniões (um dos preceitos básicos da deontologia jornalística é que as opiniões têm sempre de ser atribuídas, nunca podem ser anónimas ou confidenciais…). O autor, oculto, de todas estas opiniões pode perfeitamente ser o próprio Cavaco, bem escondido e sem rabo de fora!
No mesmo jornal, um trabalho do repórter Luis Francisco sobre os autores do blogue “Má Despesa Pública” dá-nos um exemplo notável de como, mesmo não se sendo jornalista, se pode fazer… excelente jornalismo. Três jovens decidiram passar a estar atentos a todas as publicações oficiais (e obrigatórias) sobre as despesas feitas por entidades públicas, nacionais, regionais ou locais, e passar a publicar no seu blogue, sem grandes comentários, os exemplos confirmados de desperdício do dinheiro de todos nós. Tão simples quanto isso… Mas não é uma das actividades que deveria caber a todo o jornalismo que se preza – ou seja, servir de vigilante atento de eventuais desvios e abusos dos poderes que nos regem e, em consequência, denunciá-los para que todos os conheçamos? Jornalismo no seu melhor – mas, infelizmente, algo cada vez mais raro nos meios… jornalísticos! Sempre custa menos dinheiro, menos esforço e menos mão-de-obra ouvir ao telefone um ou dois “spin doctors” com uns recados e umas opiniões convenientemente anónimas, e escrever uma página inteira de jornal como se fosse a grande investigação da semana…
(P.S. O trabalho sobre o blogue “Má Despesa Pública” só está disponível on-line para assinantes do PÚBLICO. Quem não o for, só pode ler o texto no papel. Sorry…)
Boa, Quim, bem visto. E o Post Scriptum também fala muito alto!
Adenda 1: quem porventura quiser ler o trabalho do PÚBLICO sobre os autores do blogue”Má Despesa Pública” pode fazê-lo no proprio blogue (em http://madespesapublica.blogspot.com/2012/01/este-pais-gasta-muito-dinheiro-mal.html). Uma versão .pdf da reportagem foi lá disponibilizada.
Adenda 2: vale também a pena ler, no mesmo blogue, como alguns jornalistas “a sério” (por exemplo do jornal “i”) se aproveitam de materiais recolhidos e divulgados pelo “Má Despesa Pública” mas, depois, se ‘esquecem’ de mencionar a fonte dessas informações. Não fazem o trabalho que deviam fazer e, ainda por cima, não dão os devidos créditos a quem o fez…
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