«Todos têm terror do silêncio e da solidão e vivem a bombardear-se de telefonemas, mensagens escritas, mails, e contactos no Facebook e nas redes sociais da Net, onde se oferecem como amigos a quem nunca viram na vida. Em vez do silêncio, falam sem cessar; em vez de se encontrarem, contactam-se, para não perder tempo; em vez de se descobrirem, expõem-se logo por inteiro: fotografias deles e dos filhos, das férias na neve e das festas de amigos em casa, a biografia das suas vidas, com amores antigos e actuais. E todos são bonitos, jovens, divertidos, “leves”, disponíveis, sensíveis e interessantes. E por isso é que vivem esta estranha vida: porque, muito embora julguem poder ter o mundo aos pés, não aguentam nem um dia de solidão. Eis porque já não há ninguém para atravessar o deserto. Ninguém capaz de enfrentar toda aquela solidão.»
Miguel Sousa Tavares
«No teu deserto» não é um livro sobre o qual se escreva à partida neste blogue. Porque é um «quase romance»? Talvez… Mas é um livro depois do qual há um certo silêncio que se apetece… sobretudo quando se chega de um deserto que não estamos habituados a habitar por não sermos capazes de dispensar as palavras. Dispenso-as agora, as palavras, por saber que os que entrarem (ou já entraram) nesse deserto não precisarão que se justifique este desvio nas linhas nada romanceadas de um ‘caderno de notas’, como é este blogue, cheio de etiquetas categoriais que não servem nem o silêncio nem a solidão.
E, no entanto, tanto ruído, tanta conversa, tanta aridez… Será assim tão deserto esse deserto do silêncio?
Só uma nota, mais, pois ao relê-lo, parece-me que o meu comentário anterior pode não ter ficado claro: a aridez de que falo é precisamente a que Miguel Sousa Tavares tão bem descreve. É o nosso horror ao silêncio que a reforça, que a reproduz. Só não é árido o que faz viagem. Do contacto no Twitter, no Hi5, no Facebook, é só o que vem de algo e caminha para algo que preenche o vácuo. E isso, certamente, também acontece. Mas é seguro que não acontece com os 100, 200, 500 contactos, esses eufemísticos “amigos” a que as “redes online” nos “linkam” (e não “ligam”, porque é provável que até a noção de “ligação” seja forte demais para descrever a mera rede de “links” de que o deserto aqui descrito é feito).
Já agora, isso também pode não ter ficado claro: excelente post. 🙂
Comprei o livro devido ao excerto da passagem aqui publicada.
Sobre a questão da comunicação mediada, é interessante que, embora as redes sociais sejam um espaço da moda, não parecem substituir o apelo da comunicação presencial face-a-face. Para atravessar desertos é necessário confiar nos pequenos desvios que não se revelam nos formatos de comunicação mediada por tecnologia: aqueles que na maioria da vezes não se querem mostrar. E a menos que a estrutura psicofisiológica dos indivíduos mude, penso que continuarão (como seres sociais que são) a necessitar de “ligações” para enfrentar “desertos”. Entendendo “deserto” como um vazio necessário, que suga a matéria e a anula com a sua imensidão de nada; que permite a suspensão do tempo, a reflexão necessária para que a ele se retorne e se continue…