No deserto de alguém…

ol-desertomst«Todos têm terror do silêncio e da solidão e vivem a bombardear-se de telefonemas, mensagens escritas, mails, e contactos no Facebook e nas redes sociais da Net, onde se oferecem como amigos a quem nunca viram na vida. Em vez do silêncio, falam sem cessar; em vez de se encontrarem, contactam-se, para não perder tempo; em vez de se descobrirem, expõem-se logo por inteiro: fotografias deles e dos filhos, das férias na neve e das festas de amigos em casa, a biografia das suas vidas, com amores antigos e actuais. E todos são bonitos, jovens, divertidos, “leves”, disponíveis, sensíveis e interessantes. E por isso é que vivem esta estranha vida: porque, muito embora julguem poder ter o mundo aos pés, não aguentam nem um dia de solidão. Eis porque já não há ninguém para atravessar o deserto. Ninguém capaz de enfrentar toda aquela solidão.»

Miguel Sousa Tavares

«No teu deserto» não é um livro sobre o qual se escreva à partida neste blogue. Porque é um «quase romance»? Talvez… Mas é um livro depois do qual há um certo silêncio que se apetece… sobretudo quando se chega de um deserto que não estamos habituados a habitar por não sermos capazes de dispensar as palavras. Dispenso-as agora, as palavras, por saber que os que entrarem (ou já entraram) nesse deserto não precisarão que se justifique este desvio nas linhas nada romanceadas de um ‘caderno de notas’, como é este blogue, cheio de etiquetas categoriais que não servem nem o silêncio nem a solidão.

3 thoughts on “No deserto de alguém…

  1. E, no entanto, tanto ruído, tanta conversa, tanta aridez… Será assim tão deserto esse deserto do silêncio?

  2. Só uma nota, mais, pois ao relê-lo, parece-me que o meu comentário anterior pode não ter ficado claro: a aridez de que falo é precisamente a que Miguel Sousa Tavares tão bem descreve. É o nosso horror ao silêncio que a reforça, que a reproduz. Só não é árido o que faz viagem. Do contacto no Twitter, no Hi5, no Facebook, é só o que vem de algo e caminha para algo que preenche o vácuo. E isso, certamente, também acontece. Mas é seguro que não acontece com os 100, 200, 500 contactos, esses eufemísticos “amigos” a que as “redes online” nos “linkam” (e não “ligam”, porque é provável que até a noção de “ligação” seja forte demais para descrever a mera rede de “links” de que o deserto aqui descrito é feito).
    Já agora, isso também pode não ter ficado claro: excelente post. 🙂

  3. Comprei o livro devido ao excerto da passagem aqui publicada.

    Sobre a questão da comunicação mediada, é interessante que, embora as redes sociais sejam um espaço da moda, não parecem substituir o apelo da comunicação presencial face-a-face. Para atravessar desertos é necessário confiar nos pequenos desvios que não se revelam nos formatos de comunicação mediada por tecnologia: aqueles que na maioria da vezes não se querem mostrar. E a menos que a estrutura psicofisiológica dos indivíduos mude, penso que continuarão (como seres sociais que são) a necessitar de “ligações” para enfrentar “desertos”. Entendendo “deserto” como um vazio necessário, que suga a matéria e a anula com a sua imensidão de nada; que permite a suspensão do tempo, a reflexão necessária para que a ele se retorne e se continue…

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