“É possível ou não ao jornalista ser neutro?”

“(…) não sejamos ingénuos: somos todos os dias expostos à opinião dos jornalistas – na selecção das notícias, nas fontes usadas, nas imagens que nos mostram, nas palavras usadas para descrever os factos. Isto não é novidade nenhuma. Mas tendemos a esquecê-lo: veja-se por exemplo a forma como as notícias e os comentários sobre os assuntos económicos são produzidos e a sua exacta reprodução da ideologia liberal. Mas num momento em que o “economês” se tornou doutrina oficial, perdemos a capacidade de ver que há também aí um discurso ideológico. E é na esfera da reportagem sobre temas sociais que se tornam mais visíveis as convicções dos jornalistas. Não porque só aí existam, mas porque, felizmente, aí a hegemonia de pontos de vista ainda não impera.
Para além do aproveitamento político do momento e da “espuma das ondas” que há-de passar, a questão a formular sobre o incómodo que Fernanda Câncio causa é, por isso, outra, e prende-se com a concepção de jornalismo que temos e que desejamos. É possível ou não ao jornalista ser neutro na leitura do real? É ou não possível separar as convicções pessoais do tipo de jornalismo que se faz? Cabe ou não ao jornalista contribuir para a crítica e a mudança social? Deve ou não o jornalista assumir publicamente o seu ponto de vista sobre os assuntos que investiga?
As minhas respostas são fáceis de adivinhar: não acredito em “olhares de sítio nenhum” e prefiro o jornalismo que explicita um ponto de vista; é mais transparente e constrange menos a formação da minha opinião.”
Carla Machado in Público, 14.4.2008

Advertisement

4 thoughts on ““É possível ou não ao jornalista ser neutro?”

  1. Afinal, o que é o “social”? Talvez porque o “social” seja o produto de uma soma sem exclusão de parcelas, talvez porque o “social” seja a compulsão de nos olharmos a um espelho de 360º, talvez por isso, o “social” torna-se decisivo ao Jornalismo de hoje. Porque hoje, mais que nunca, o “social” precisa de ser lido, tacteado, interpretado, transcrito. Porque o “social” tolhido pelo economês neo-liberal nunca nos dará o mundo.
    À leitura deste oportuno artigo de Carla Machado permito-me juntar a de um “não-alinhado” pelo discurso ideológico dominante, de que decerto o Prof. Manuel Pinto e muitos dos leitores deste post já se hão-de ter lembrado. Curiosamente, um “não-alinhado” que recentemente assumiu a direcção do Le Monde Diplomatique, o que poderá querer dizer algo nesta necessária luta do Jornalismo pelo mundo: Serge Halimi “Os Novos Cães de Guarda”. 😉

  2. acredito na seriedade e competência de um jornalista, não acredito na possibilidade da neutralidade. a neutralidade correspondería a uma abstração humanamente impossível. Os nossos juízos de valor, a nossa maneira de sentir a realidade está condicionada por uma história concreta, não olhamos para a realidade a partir de um ponto neutral, não existe um olhar puro.
    Penso que talvez fosse positivo que os jornalistas assumissem de um modo mais claro o que condiciona o seu olhar. Mas também penso que nenhum de nós será capaz de ter plena consciência de tudo aquilo que condiciona o seu olhar, a sua opinião. E assim teremos que ter a humildade de aceitar que a transparencia total quanto aos “condicionamentos” é uma ideia tão inconcretizável como a ideia da neutralidade.
    E será sempre preciso ter cuidado para que ao assumir aquilo que pode condicionar a sua forma de ser jornalista, um jornalista não esteja a gerarar mais ruído que comunicação.

  3. “É possível ou não ao jornalista ser neutro?”

    Não!
    Nem neutro e dificilmente imparcial a menos que passe a vida (e todos temos que olhar por ela) a replicar os comunicados de imprensa das autarquias.

    Dario Silva.

  4. Apelando, no exercício do seu trabalho, a um determinado espírito crítico, inerente ao processo interpretativo de um facto, é impossível um jornalista ser um elemento neutro na construção de determinada notícia.
    É nisso que se marca a diferença da narração dos factos, de profissional para profissional.
    Por outro lado, há o campo das convicções pessoais, que advêm do princípios sociais, educacionais e relacionais, que, não sendo inevitáveis, infuem quase sempre com a sua presença.

    E eu pergunto: Será isso grave?

Os comentários estão fechados.